Evandro Barreto
Entre muitas motivações, a gente escolhe a cota que nos cabe para desembarcar em Paris pela primeira vez. Realizar um sonho que tem como cenário a cidade inteira, satisfazer uma curiosidade sem traços definidos, adquirir objetos de desejo, expor-se a impactos culturais e comportamentais, experimentar aquele prato naquele restaurante, poder dizer “eu já estive lá”, cumprir uma etapa da viagem que se estende por vários lugares – ou tudo isso misturado.
Voltar a Paris é partir em busca de si mesmo. Não importa que entre uma viagem e outra você e a cidade tenham mudado nisso ou naquilo. Há sempre por fazer algo que faltou, permanecem as doces ou excitantes lembranças que impelem à repetição com a sabedoria adquirida, algo aconteceu de novo que você quer conferir de perto. Ou, simplesmente, você não resiste à tentação poética/patética de dobrar uma certa esquina e encontrar, intacto, o momento, a descoberta, o enlevo, a comunhão que sabe sem retorno.
O melhor de tudo é que a primeira volta não cura. Vicia. Torna-nos um pouco fiscais ranzinzas e guardiães zelosos de paisagens físicas e humanas. Irrita-nos encontrar mais uma loja cintilante do “Macdô” ocupando o espaço da papelaria quase centenária, de fachada tão desbotada quanto a velhinha de xale atrás do balcão. Parece que ninguém mais manda cartas e as velhinhas trajam Adidas. Encanta-nos a proliferação de riquixás, permitindo-nos trafegar com calma e correção ambiental, enquanto alguém pedala por nós. Diverte-nos a mudança de idiomas e tonalidades dos turistas, conforme a crise da vez. Na mídia, já não levamos muito a sério os cartesianíssimos debates, em que mudam apenas os vilões de cada discurso e os perigos de cada momento. De parte a parte, os argumentos podem ser idiotas, mas a gramática é impecável. Em compensação, somos acolhidos por exposições, espetáculos e acontecimentos que, por si, já valeriam a viagem.
É nesse ponto que você cede à ilusão de que já faz parte de tudo isso. De repente, a campainha da vida toca e termina o recreio. Que pena e que bom. Que pena devolver as roupas aos armários de casa, que bom as malas terem voltado em bom estado, para encherem-se novamente de saudades, projetos e emoções. Você pode até fingir que não pensa na próxima vez. Até achar no bolso do casaco um bilhete esquecido de metrô.
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135 Comentários
Fabio
É ISSO!!! É EXATAMENTE ISSO!!!
Fabiana Carvalho
Ótimo texto. É exatamente isso e mais um pouco.Essa cidade é totalmente apaixonante .Saudades … sempre. Voltar, assim que possível. Saudações a todos. Fabi
Katya Leitzke
Nossa!!!
Mas é exatamente assim! Minha primeira vez em Paris foi absolutmante sem querer, e antes do fim do primeiro dia já estavamos infectados por um vírus que eu não faço a menor questão de matar dentro de mim e que me faz voltar pra que ele próprio não me mate, de saudade!
Cada esquina reencontrada, cada vista conhecida alimenta a alma e cada modernismo que descaracteriza a cidade nos irrita a ponto de querer iniciar um protesto, montar uma barricada!
Faltou apenas citar o desejo de aprender francês que se instalou depois da primeira visita, como se falar na lingua nativa nos fizesse um pouco parisienses e ajudasse a suprir a necessidade de pertencer a cidade. Eu corri para a Aliança Francesa e lá permaneço indo até hoje.
E a parte do bilhete no bolso do casaco… quase chorei!!!
Eu deixo de propósito notinhas de cafés, embrulhos de chocolates, entradas de museus, etc pra me alimentar de lembranças em forma de surpresas antes de poder voltar.
Ótimo texto!
Katya Leitzke
Madá
Pausa para almoço, visito a querida página do Conexão Paris e que alegria ver que tem texto do Dodô e que texto! Em poucas horas, o CP já tem mais de 30 leitores se identificando com o tal sentimento que Dodô traduz pra gente. À medida que ia lendo melhor ia ficando, mas o bilhete esquecido foi indescritível. Bravô!
Silvia
Belo texto!! Exactamente o que eu sinto e penso… ainda há pouco encontrei um bilhete de metro no bolso!! rsrs!!
Deu-me uma saudade tão grande… faz dois anos dia 14 de Agosto que estive em Paris, quem me dera voltar já, sei que neste momento não posso mas assim que puder lá estarei para descobrir e rever minha Paris maravilhosa!!!
Abraços Lina e para todos também!!
Patricia
Lindo texto. Eu vou levar um bilhete de metrô para o Brasil e deixar na minha carteira. Sempre que eu olhar para ele, vai me dar aquela boa sensação de andar pelas ruas da cidade luz. Eu amo Paris, e quando eu retornar para o Brasil, um pedacinho de mim, fica aqui , mas vou feliz com a gratidão de ter vivido aqui e com profundos desejos de retorno.
rosana schlingmann
Simplesmente isso…. Paris é assim envolvente, cativante, primorosa, sempre com gostino de quero mais.
Ana Beatriz Simonetti
Faço parte do coro que acha que o texto acima foi feito por encomenda para nós! Até reproduzi em meu blog, com os devidos créditos.
http://blogdaab.blogspot.com.br/
Obrigada,
Ana Beatriz
Angela
Que texto primoroso, me vi nele ! Não vejo a hora de poder voltar à Paris, que encantou a mim e meu marido ! Lugar mágico ! As ruas, as pessoas, os sotaques tudo me veio a lembrança ao ler este post. Adorei !
Renata Capute
Thais,
tanta gente já falou tanta coisa, não é mesmo? A gente fica tão tocado desde a 1ª ida que não deixa nem de visitar diariamente esse blog, por exemplo, já que não fomos todos afortunados de viver lá como Lina…
Já teve a sensação de uma cidade ter voz? Paris fala com você. Isso foi tão poderoso pra mim…
Assim, depois que você for, conta pra gente o que ela tem..rs
Um abraço!!!