Por Ana Carolina Dani, sommelière das Caves Legrand

Para quem não conhece, os vinhos naturais podem parecer bastante esquisitos. Não é difícil encontrar bebidas turvas, com coloração estranha e aromas pouco agradáveis, como notas de “suor de cavalo”, “curral” ou até “esterco de vaca”, que são facilmente identificáveis pelo olfato, mas também na boca. Normalmente esses vinhos são bastante leves, lembrando suco de uva, e fáceis de beber.

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O vinho natural pode ser turvo. (foto: site Rue89)

Na França, esse fenômeno está atualmente em plena expansão. Nos últimos anos, uma grande quantidade de enotecas e bares especializados unicamente em vinhos orgânicos e naturais foram abertos na capital francesa. O número de consumidores também aumenta e com eles os que dividem posições extremistas. De um lado, os defensores do natural que baniram totalmente o consumo de vinhos “convencionais”. De outro, os consumidores e produtores convencionais, que criticam os naturais.

Ora, o problema é que o debate colocado assim é extremamente redutor. Entre os chamados vinhos naturais e os industriais, há um vasto universo que não se encaixa em nenhum dos dois extremos. Como diz André Ostertag, “não dá pra colocar tudo no mesmo saco. Ė necessário fazer a distinção entre quem usa muito e quem usa pouco sulfito”, afirma. Ostertag é produtor na região da Alsácia, onde pratica o cultivo orgânico e uma vinificação rigorosa. Seus vinhos têm, em geral, entre 20 e 30 mg de sulfito por litro, quando as doses convencionais permitidas vão de 160 mg/l (para os tintos) até 400 mg/l (para os licorosos).

Polêmica

Existe hoje muita confusão e desinformação sobre o assunto. A começar pela definição mesmo do que é vinho natural. Eu já cheguei a ler que um vinho natural seria aquele feito sem nenhuma intervenção do homem! Devemos, então, imaginar as uvas saindo sozinhas dos pés, caminhando alegres e contentes em fila indiana em direção às cubas de fermentação? O homem é parte importante e essencial do processo de fabricação e uva nenhuma se transforma em vinho sozinha.

Descartadas as definições utópicas, fantasiosas e imprecisas, persiste a falta de consenso sobre a definição do termo. Em geral, consideram-se vinhos naturais aqueles feitos com a menor intervenção do homem possível (eu disse menor e não ausente). O cultivo das uvas deve ser orgânico e a vinificação feita sem aditivos, excluindo inclusive o uso do Dióxido de Enxofre (SO2), também chamado de sulfito. Um vinho natural deve conter nada ou quase nada de enxofre. E é aí que reside o problema.

Domaine Ostertag_André Ostertag

André Ostertag, produtor na região da Alsácia, onde pratica o cultivo orgânico e uma vinificação rigorosa.

Primeiro, porque são raríssimos os vinhos que contém zero sulfito, já que durante o processo de fermentação as leveduras produzem naturalmente componentes sulforosos que vão se combinar com outras moléculas presentes no mosto e que farão parte do produto final (normalmente entre 2 e 6 mg/l). “Acreditar que possamos fazer um vinho completamente sem sulfito é uma utopia”, afirma André Ostertag. De fato, as análises publicadas pelo site francês “Les Vins Naturels” indicam que dentre os 1428 vinhos “naturais” testados, somente 23 possuíam sulfito zero*.

Outra questão que entretem a confusão é a ausência de regulamentação. Aqui na França, não existe nenhum legislação que determine a partir de qual quantidade de sulfito um vinho pode ser chamado de “natural”. A norma europeia prevê apenas a obrigatoriedade da menção “contém sulfito” para os vinhos com mais de 10 mg/litro. Algumas associações de produtores mais “radicais”, como a francesa SAINS (Associação de Vinhos feitos Sem Nenhum Adjuvante nem Sulfito) defende a proscrição total do dióxido de enxofre. Outras, como a AVN (Associação de Vinhos Naturais), admitem doses finais de sulfito entre 30 mg e 40 mg/litro.

Um último ponto importante é que o debate sobre os vinhos naturais se focaliza excessivamente na questão do sulfito, escondendo ou deixando de lado outras questões essenciais. “Uma vinificação natural é um processo que começa na vinha. Conheço muita gente que afirma fazer vinho natural e que trata suas videiras com pesticidas e outros agrotóxicos”, afirma Ostertag. De fato, seria pertinente nos interrogarmos sobre o foco excessivo na questão do sulfito, quando existem mais de 200 adjuvantes legalmente permitidos hoje para a elaboração do vinho na França!

O uso do sulfito no vinho

O dióxido de enxofre tem principalmente a função de estabilizar e conservar o vinho, protegendo-o da oxidação. Em outras palavras, impede que o vinho envelheça muito rápido. Pode ser empregado sob diversas formas e em diversos momentos, desde a colheita até o momento do engarrafamento.

Porém, quando utilizado em excesso, produz um efeito de “enrijecimento” do vinho, tornando-os mais fechados, por vezes metálicos. “Ė como se o vinho estivesse envolto por faixas como uma múmia do Egito” explica Ostertag. No nariz, produz um odor de enxofre, de fósforo queimado, podendo até chegar a picotar a garganta. Muita gente acredita, ainda, que o SO2 possa ser responsável por dores de cabeça e outras reações alérgicas em pessoas sensíveis ao produto.

Sebastien Riffault_Cheval et Sancerre

Sebastien Riffault, vice-presidente da AVN, trabalhando seus vinhedos na região de Sancerre, no vale do rio Loire.

Por outro lado, os naturais são considerados mais livres, vivos e dinâmicos. “São vinhos puros, em que o gosto não foi alterado por leveduras selecionadas e a expressão não foi bloqueada pelo sulfito. Ė a expressão pura do terroir, além de ser um produto mais saudável para o consumidor”, explica Sebastien Riffault, vice-presidente da AVN e produtor na região de Sancerre, no vale do rio Loire.

Porém a ausência total de sulfito pode resultar em vinhos instáveis e, quando mal feitos, com importantes desvios gustativos e aromáticos. Um vinho sem sulfito é bem mais frágil que um vinho convencional, exige as melhores condições possíveis de conservação (sem alterações de temperatura) e dificilmente poderá envelhecer de maneira estável. Não é a toa que muitos produtores de vinhos naturais sulfitam, ainda que com doses mínimas, uma pequena parte da produção, normalmente reservada à exportação ou aos clientes que não podem garantir a conservação das garrafas.

Tenho bebido cada vez mais vinhos desse tipo aqui na França que, quando feitos por produtores rigorosos e responsáveis, expressam perfeitamente o que considero ser o perfil típico de um vinho natural sem nenhum sulfito adicionado: vinhos “glou glou”, frutados e leves, de prazer imediato, fáceis de beber e feitos para serem degustados jovens. São prazerosos, mas representam um estilo específico.

Por outro lado, já provei muito vinho dito “natural” mal feito, mal equilibrado, fedorento e claramente oxidativo. O grande problema é que muita gente perdoa esses “desvios”, pois defendem que sejam consequências inerentes ao vinho natural, quando na verdade não são.

Para Gérard Sibourd-Baudry, sócio-diretor das caves Legrand, uma das mais antigas e tradicionais de Paris, o vinho natural é um produto de “marketing puro”. Segundo ele, o que determina um grande vinho de qualidade é a visão do produtor e o trabalho que cada um realiza para alcançar o resultado que deseja de maneira equilibrada. “Todo grande produtor tem consciência de que está neste mundo de passagem. Eles passam, as vinhas ficam. Não é um selo que determina a qualidade do vinho”, explica

Sibourd Baudry afirma que o que lhe interessa quando bebe um vinho é a busca pela emoção e pelo prazer. “Não me importa se seja feito de maneira convencional, orgânica ou biodinâmica. Porém, a maioria dos vinhos ditos naturais que provo não me causam prazer nenhum. São muitas vezes mal feitos, com odores nauseabundos. Tive a chance de percorrer os maiores vinhedos do mundo. Em nenhuma dessas vinícolas, os vinhos cheiravam a esterco de vaca”, conclui.

Vinhos naturais e convencionais

Uma coisa deve ficar clara. Existe vinho natural bom e bem feito, e vinho natural ruim e mal feito. Assim como existem vinhos “convencionais” ruins e mal feitos e vinhos convencionais bons e bem feitos. Não precisamos nos fechar em dogmas ou em posições extremistas para reconhecer que o cultivo orgânico e a busca por um processo de vinificação o mais natural possível são extremamente positivos para o consumidor e para a qualidade e expressão do vinho. Daí defender que somente os vinhos naturais (feitos sem nenhum acréscimo de sulfito) representam a expressão autêntica e pura de um terroir é outra coisa.

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Vinhos naturais

Eu poderia enumerar aqui dezenas e dezenas de produtores franceses que trabalham com rigor na vinha e na cantina, que cultivam em orgânico, que usam somente leveduras naturais, que não chaptalizam (acrescentar açúcar ao mosto para aumentar o teor alcóolico final após a fermentação) e não abusam de correções químicas, mas que admitem doses (reduzidas) de sulfito em seus vinhos. Gente como André Ostertag e Zind Humbrecht, na Alsácia, Antoine Arena, na Córsega, Jean-Yves Bizot (Domaine Bizot), Jean-Louis Trapet (Domaine Trapet), Lalou Bize Leroy (Domaine Leroy) na Bourgogne, Domaine Labet, no Jura, entre tantíssimos outros.

Seria uma grande pena se privar desses vinhos soberbos, que figuram muitas vezes entre os maiores da França e do mundo, sob o pretexto de que possuem sulfito. A diversidade de estilos, a marca do terroir e a visão de cada produtor são expressões muito mais ricas do que qualquer tipo de posição dogmática.

*http://www.vinsnaturels.fr/010_analyses/010_analyses.php


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