Nós encontramos no “Caso dos Venenos”, uma história da época de Luis XIV, a explicação do ritual que até hoje seguimos quando tocamos na taça do vizinho e desejamos saúde.
O “Affaire des Poisons” foi uma grande investigação policial e um importante processo envolvendo nomes de pessoas importantes da época.
Tudo começou com a morte brutal de Henriqueta Stuart da Inglaterra, amante de Luis XIV. Henriqueta morreu poucas horas após ter tomado um copo de água com chicória. Suspeitando um envenenamento organizado por alguém contrário à aliança entre França e Inglaterra, Louis XIV pediu uma investigação à Gabriel de la Reynie, tenente da polícia.
Após um ano de pesquisas infrutíferas, o investigador se viu de novo diante da morte misteriosa de dois políticos importantes: o ministro das Relações Estrangeiras, Hugo de Lionne, e o Arcebisto de Paris e confessor de Louis XIV, Hardouim de Péréfixe.
Mas no ano seguinte, em 1672, um oficial chamado Jean de Sainte Croix morre e o investigador La Reynie encontra, na casa do falecido, frascos com arsênico, opium, venenos de cobras e sapos, folhas de cicuta, ervas venenosas e outros derivados. Foi encontrado também cartas da sua amante, Marquesa de Brinvilliers, onde esta relatava a participação dos dois em vários assassinatos.
O investigador concluiu que tinha posto a mão em um circuito onde poderosos mandavam envenenar poderosos por razões diversas. Ele tentou prender a marquesa mas esta, mais esperta, já tinha desaparecido.
Em 1676, o investigador a encontrou escondida em um convento na Bélgica. Extraditada e torturada, acabou confessando alguns crimes sem fornecer a lista completa de seus ilustres clientes. Ela foi decapitada por espada na atual Praça do Hotel de Ville.
Nestas alturas, o que o investigador desejava era o nome dos principais agentes do comércio de venenos. Em 1677 ele conseguiu prender alguns suspeitos na morte do Duque de Savoie. Torturados, acabaram entregando os nomes que tanto procurava. Assim, em 1679 ele prendeu a principal especialista das artes ocultas, a star da magia negra, Catherine Deshayes, apelidada La Voisin.
Catherine era convidada famosa nos salões da alta aristocracia parisiense e proprietária de uma farmácia de poções mágicas e produtos misteriosos. Era também praticante de abortos, missas negras, cerimônias satânicas, orgias, feitiçarias e rituais com sacrifícios humanos.
Ela possuia uma rede de agentes do mal: alquimistas, apotocários, bruxos, bruxas, padres de missas negras e charlatões de todas as espécies.
O verdadeiro escândalo começou quando o investigador conheceu os nomes dos clientes da La Voisin. Todos pessoas famosas, sobrinhas de cardeais, ministros, princesas, duquesas, duques, marqueses e poetas.
Os nomes eram importantes demais e o investigador foi obrigado a prevenir o Rei que, horrorizado com as atrocidades que aconteciam no seu reinado, criou uma comissão especial para o julgamento do “Caso dos Venenos”.
Em 1680 La Voisin foi condenada de maneira bárbara, mãos perfuradas e cortadas e queimada viva em praça pública, na frente do Hotel de Ville.
Mas a história não terminou aí. O escândalo ficou imensamente grave quando a filha de La Voisin revelou que sua mãe era fornecedora de poções mágicas para Madame de Montespan, amante preferida do Rei e mãe de seus 4 filhos reconhecidos e legitimados. Montespan, com ciúmes de outra amante, teria encomendado a morte do rei e sua jovem amante. Os dois crimes só não foram realizados porque La Voisin foi presa antes.
Louis XIV interrompeu as investigações pois daí para a frente tratava-se de segredos da corte. Todos aqueles que souberam da ligação de Madame de Montespan e a bruxa foram enviados para prisões distantes de Versailles.
Madame Montespan foi exilada de Versailles. Todos os documentos que a incriminavam foram queimados pelo próprio rei Luis XIV após a morte da sua ex-amante em 1707.
Pois bem, por causa desta longa história, quando o champanhe foi introduzido na corte de Louis XV criou-se o hábito do brinde: a pessoa olhava fixamente nos olhos daquela que tinha servido a bebida, batia seu copo de estanho com força no outro para provocar uma troca de gotas do líquido e dizia: saúde!
Esta desconfiança terminaria somente no final do século XIX.
E tim-tim!
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39 Comentários
Eduardo E Roberta
Fala Tom,
Acabamos de chegar no Hotel após o passeio de Versailles e já li seu artigo do brinde, muito bom! Obrigado pelo Louvre e Versailes, demais!!!
Eduardo e Roberta
Lindonês
Sen- sa- cio- nal, esse é o cara. Valeu Tom Pavesi,
Bruna
Adorei a história. Daria um excelente roteiro de filme, e o nome poderia ser esse mesmo: “O Caso dos Venenos”.
luiz
Tenho outra versão.
No ritual de tomar vinho em grupo, usam-se todos os sentidos (visão, olfato, tato e paladar), menos a audição.
Assim, chocando delicadamente uma taça a outra, obtém-se o ruído do Tim-Tim.
Lina
Luiz
Versão mais otimisma e hedonista. Gostei.
Jacqueline
Mais uma vez voltei ao clima da série “Angélica, a Marquesa dos Anjos”. Os labirintos do Louvre, os crimes de La Voisin, as amantes de Luiz XIV. Livros deliciosos que, com este artigo, me deu vontade de reler.
Suely
Muito interessante! Gostei!!!
Lidia Lima
Tom,
Parabéns pelo artigo.
Lenna Ranghetti
Tchim, tchim, Tom!!! Impressionante essa história! O poder sempre ligado aos piores e mais baixos sentimentos humanos…
Vera
Tom, seus textos são deliciosos! Poste com mais frequência!!!
Jane Curiosa
O assunto é fascinante.
Veneno ou remédio,depende da dose.
Ou se você trata com um médico ou com um Bórgia. Hummm…se não for a dra.Morte de Curitiba,é claro.
Em tempos que autópsias eram raras,era a “arma”predileta,por ser limpa,difícil de se detectar,- a maioria causava dores de cabeça e estômago,vômitos,tontura…convenhamos,sem exames laboratoriais em caso de persistência de tais sintomas,e não persistiam,pois quem os manipulava o fazia com maestria. Ao menos é o que conta a história, sem desmerecer também as lendas,como a de que Napoleão teria sido envenenado com arsênico.
Por via das dúvidas,doravante passarei a me fazer acompanhar de um experimentador: de comida,de bebidas,de Botox*…