Por Eduardo Carvalho
Na pequena placa estava escrito assim: “Rue du Temps Perdu”. Era uma ladeira estreita que nos deixaria, alguns metros acima, cara a cara com a histórica cruz de pedra que marca o vinhedo cujas uvas dão vida ao mitológico Romanée-Conti, um dos melhores vinhos do mundo. À parte os momentos mágicos que vivemos naquela viagem, no verão europeu de 2015, a Rua do Tempo Perdido não me saiu mais da cabeça.
Não foi só a paisagem que me tirou o fôlego. Não foi apenas o fato de estar fazendo a primeira viagem pelo interior da França, um sonho antigo. Percorrer a Côte D’Or por entre plantações de uva e cidades medievais é uma experiência que nunca mais se esquece. Mas não foi só isso.
Também não foi somente a alegria que invadiu o meu coração ao pisar naquele solo que os monges, séculos atrás, colocavam na boca para saber a diferença entre terrenos tão próximos, mas que resultavam em vinhos tão diferentes uns dos outros – e tão especiais. Nem foi a prova de vinhos indescritíveis que, na minha humilde opinião, só a Borgonha é capaz de produzir. Não. Foi um pouco mais.
É que me dei conta de que a Rua do Tempo Perdido são muitas estradas atemporais. Ela não tem fim. Não está no Google Maps. Não há aplicativo capaz de localizá-la.
Tenho a impressão de que quando ando por Paris, a cidade da minha alma, percorro várias Ruas do Tempo Perdido. São aquelas que me arremessam a algum lugar entre o ontem e o anteontem, sabe como é? Bem ali onde o que já foi sonho se tornou frustração.
Essa rua, acho, é uma mistura daquelas da minha infância, em São Luís, Nordeste do Brasil, com as da minha adolescência e juventude, no Rio de Janeiro, acrescida dos becos, ruas e bares de Paris, a cidade que desde 2009 – quando lá estive numa tardia primeira vez, aos 34 anos – mudou completamente a minha forma de ser, de sentir, de viver e de ver o mundo, a vida, o amor, o ser humano.
Mas a Rua do Tempo Perdido é ainda um pouco mais. Basta dizer que, no seu trajeto rumo a não se sabe onde, ela faz esquinas interessantes, como Tempo Perdido com Desespero, Tempo Perdido com Melancolia, Tempo Perdido com Desesperança, Tempo Perdido com Não Dá Mais, Tempo Perdido com Tristeza, Tempo Perdido com Desilusão, Tempo Perdido com Desamor…
Para os seus moradores, a Rua do Tempo Perdido é uma trincheira contra “isso tudo aí que tá dando errado”, como eles resmungam por lá. Até por isso, a visão do mundo a partir de suas janelas carrega um tanto de pessimismo e outro de solidão.
Por tudo isso e mais ainda o que não consigo explicar, foi muito bonito, para mim, encontrar essa rua, com placa e tudo, justamente na França. Talvez porque igualdade, fraternidade e liberdade são os itens de primeira necessidade de quem mora na Rua do Tempo Perdido. E esperança, claro, uma pontinha que seja.
Não pense que não se quer escapar dela. Muito, mas muito raramente, há quem consiga. São aqueles que um dia se dão conta de que não vivem na Rue du Temps Perdu, a Rua do Tempo Perdido. E compreendem que ela é que mora dentro deles.
Eduardo Carvalho, 40 anos, é jornalista. Não vive em Paris, mas Paris vive nele. É co-autor do site “Botequim do Vinho” e mantém o blog Rua do Tempo Perdido. Mora no Rio de Janeiro, onde lançou, em 2010, o livro “Sambas, boemia e vagabundos” (Ed. Multifoco), reunião de crônicas sobre rodas de samba e bares da cidade.
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4 Comentários
Ulysses Sovano
A Borgonha é realmente maravilhosa, e passear com quem conhece é melhor ainda, tivemos a sorte de encontrar uma guia brasileira no nosso hotel, e la fechamos dois dias com ela, e aprendemos muito sobre a regiao, ela é formada pela universidade de Dijon.
Super recomendo a Aline que ja foi citada aqui.
Fabiano
Toda viagem tem algo de especial mas algumas são mais marcantes que outras. Para mim, a rápida visita de 3 dias à Borgonha foi marcada por vários momentos especiais, desde os passeios pela cidade, a feirinha em Beaune, as degustações nas vinícolas e, principalmente pelas refeições. Almoço sublime no estrelado Les Jardins des Remparts e jantar indescritível no minúsculo La Lune, onde se tem a oportunidade de assistir o show do chef caso se sente no balcão!