Por Tatyana Mabel
Para a maioria de nós, a frase parece cruel. Como uma figura tão inocente, capaz de desejar gastar todas as economias de um ano de trabalho e ajudar a encher os bolsos da Europa em crise pode ser tão mal interpretada?!
Escrita em inglês, para que se faça compreender a toda e qualquer nacionalidade, encontrei a frase pichada em muros de algumas cidades européias por onde passei nos últimos anos.
Mas, curiosamente, a primeira vez que despertei acerca do incômodo causado pelos turistas foi na minha pequena cidade: em Natal-RN. Num salão de beleza, ouvia uma senhora comentar: “o réveillon foi ótimo! Para onde fomos, não tinha nenhum gringo”.
Quando comecei a atravessar o Atlântico, criei uma hipótese: cada cidade tem lá sua forma, ainda que com alguns eufemismos, de dizer o que o pichador tentou traduzir.
Eu e Marcos tínhamos um plano: almoçar no L’ Epi D’Or, indicado por Lina como um típico bistrô. Na calçada da Rue Jean-Jacques Rousseau, hesitamos em entrar. O que nos desencorajava eram alguns sinais usados para dizer “se não for da casa, não entre”: cortinas cerradas e a única parte de vidro que nos permitia espiar o interior estava repleta de cartazes, garantindo a intimidade dos clientes. De fora, quase nem se percebe que ali é um bistrô. Mas, com turista em exercício profissional, precisávamos conhecer um museu “bistronômico” e entramos.
O lugar é íntimo e logo percebemos que todos se conheciam. Apesar do esforço em ser discretos, onde esconderíamos a imensa máquina fotográfica? Como dissimular nossa condição de estrangeiros se éramos os únicos a não conhecer ninguém? A dona bistrô nos explicou toda a composição do menu, até notar pelo nosso francês, de férias, que estava atendendo um gringo.
De observadores, passamos a ser observados. O desconforto estava no ar… e pensávamos: “mas nós nem tiramos fotos!?”. O problema é que havíamos entrado num espaço que os citadinos reservaram apenas para si. Nosso olhar etnográfico, que rapidamente vistoriou as mesas alheias, percebeu que seria uma gafe pedir um carafe d’eau*. Seguimos as regras e, sem esforços, deixamos tudo em pratos limpos. Não sobrou nada!
Ao se despedir da proprietária, um cliente respondeu: “Thank you!”, como quem diz ironicamente: “estamos em apuros, não?!” Ainda assim, Madame não hesitou e cumpriu conosco todo o ritual que fez com seus clientes: ajudou-nos a vestir o casaco, acompanhou-nos à porta e não disfarçou sua satisfação ao receber nossa resposta “Tout est parfait, Madame”, quando perguntou sobre seus serviços.
Ser turista e querer ter experiências de um citadino tem lá suas desventuras, mas nada que o excelente atendimento, o ambiente e pratos de se comer rezando – oeuf cocotte à la dijonnaise; le magret de canard, sauce aux airelles; le fondant au chocolat, zeste d’orange et crème anglaise**, acompanhados de um Côtes du Rhône – não lhes sejam superiores.
Até agora, Madame deve está se perguntando: por que eles entraram? Como chegaram até aqui?… ossos do ofício.
Fevereiro, 2012.
* jarra com água de torneira – (obs.todos os restaurantes são obrigados a colocarem na mesa uma jarra com água potável)
** ovos cozidos dentro de um molho preparado com creme de leite e mostarda, magret de pato com molho de airelles (pequenas frutas vermelhas), fondant de chocolare com raspas de laranja e creme inglês.
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100 Comentários
Cristiane Pereira/ BH
Não senti tensão no post, acho que é apenas um relato que faz uma reflexão correta. É mesmo bom, sempre, observar e se adpatar aos costumes locais, ao jeito de ser dos citadinos. Temos de saber nos divertir, desfrutar de uma viagem e dos prazeres de uma cidade sem incomodar os demais, sejam os moradores ou outros turistas. Isso vale para Paris ou outras cidades turísticas. Acho que esta é a regra nº 1 de quem viaja e quer ser bem acolhido, bem tratado e respeitado. Quem é o visitante é que de adequa às regras do local que visita – não é assim que fazemos quando vamos nos hospedar na casa de um amigo? – e isso não diminui em nada o desfrute do passeio.
Não me considero muito viajada e nem conheço tantos lugares assim, mas tento sempre me pautar por essa linha. E tenho observado que muitos brasileiros acham, nas suas viagens de férias, que estão no seu bairro, no seu boteco de preferência com sua turma fiel de amigos, se comportam inadequadamente, e, depois, reclamam à toa do tratamento que recebem – quando, na verdade, eles é que estão errando e por isso não são assim tão bem tratados. Quando viajei sozinha, mas em excursão, pela Espanha percebi isso demais, pois eram muitos no grupo que se queixavam do jeito de ser dos espanhóis – os garçons são tão ou mais emburrados que os parisienses e detestam ser chamados à mesa sem que o pedido esteja decidido, coisa que brasileiro adora fazer! Presenciei um constrangedor bate-boca entre um colega de excursão e um garçon português, em Lisboa, pois o maître pediu para avisar que a cozinha fechava às 21h30 e o coleguinha, achando aquilo um absurdo, disse que era muito cedo e que se estávamos pagando tínhamos o direito de ficar até a hora que quiséssemos. Minha vontade foi me esconder debaixo da mesa. E o colega teve de ouvir uma resposta firme e bem argumentada sobre os direitos trabalhistas dos empregados, muito bem defendidos por um sindciato que impunha horários a todos e isso refeltia na hora do fechamento. Coisa que não conhecemos no Brasil.
Na mesma linha do L’Epi D’Or acho que está o Au Bon Saint Pourçan, que tem um dos melhores cassoulets de Paris e é um bistrô pequenininho, na rua de Servandoni, atrás a Igreja de St Sulpice e perto do Jardin de Luxemburgo. Até pouco tempo desconhecido, já vejo ele ser citado entre as “dicas de Paris” publicadas aqui e ali. Quando fui lá, em 2010, fizemos reserva (inclusive para o cassoulet, que é feito em quantidade limitada) e fomos recebidos com cortesia pelo dono, que nos acomodou na última mesa disponível (o local é minúsculo). Mas fomos olhados todo o tempo pelos demais presentes, como se se perguntassem “quem são esses estrangeiros que estão aqui no ‘nosso pedaço’?”. E eu ainda fiz fotos, rsrsrs…!
Nada de demais, mas acho que isso indica que alguns cidadãos locais ainda estranham quando visitantes chegam a seus territórios até então exclusivos. Acho que se fosse conosco, no nosso “território”, no nosso “pedaço”, naquele lugar que achamos que é só nosso, aconteceria o mesmo.
marcello brito
Tatyana,
parabens pelo texto! Muito bem escrito nas tensões naturais do desconhecido se fazendo cotidiano e prazeroso.
Viajar é isso.
Abrir o pano de um teatro de vida que nao é o seu e ve-lo se exercer na sua frente.
Existe sempre um tatear, um passo devagar, um desequilibrio natural. E depois uma felicidade do desconhecido que te invade e que vc sabe que nao é seu e nunca será, por mais que vc volte.
Os ruídos sao inevitaveis, assim como as sintonias, extamente como acontece em qualquer ação humana, em qualquer lugar.
Pode ser paradoxal, mas eu viajo para me sentir estrangeiro. Para me saber frente ao novo. E mesmo que volte ao mesmo ponto do mundo dez mil vezes, saberei nao pertencer à aquele sitio.
E é esse frisson, do inesperado e do belo desconhecido que me faz voltar.
No estrangeiro somos menos cegos e mais permissivos que em nosso cotidiano natal. Um grande fascinio nesse olhar.
Mas o exercicio de todo estrangeiro é sempre delicado. Sempre foi. E sempre será. Medeia é sobretudo o olhar de qualquer nativo sobre o estrangeiro, sobre o nao conhecido, sobre aquele que chega tranzendo o novo nao contidiano e assim deve ter sua cota de sacrificios.
Sobretudo é essa tensão e esse jogo, fascinante, espantado, carinhoso, maravilhado e por vezes cruel que me empurra às portas de outras cidades.
eduardo
..vou sempre a paris…jamais vivi algo assim…sera que nao eh um pouco de fantasia??…tipo to vivendo uma experiencia incomum…as vezes so nos vemos coisas que nao existem…ou melhor existem somente para nos…
Marcelo
Ah ! o mundo sem internet , seria algo muito parado não acham? Obrigado pelas respostas, e os conselhos, serão seguidos um “bom dia” ou “um obrigado” assim como um “até breve” acho que é básico conseguir falar na língua do Pais , até para mostrar que você se interessou por eles, enfim acredito que eu e Minha Marta teremos alguns dias inesquecíveis , estamos embarcando na terça dia 14 ficando 4 dias em Amsterdam e 6 dias em Paris (seguindo Muitas dicas do conexão Paris do site e dos guias impressos, e antes que seja tarde muito bem feito os guias e parabéns pelo blog , enfim acho que aquela velha formula da “ação e reação” se você entrar e dizer um ” bon jour” , acho dificil ser mal tratado, fiquem todos com Deus ! quem sabe eu e Dna Marta nos arriscamos a ir no Bistro e com certeza sairemos encantados com o s sabores e as pessoas.
Marcia Z
Eu consigo entender os dois lados da situação. Imagine viver numa cidade como Paris, sempre repleta de turistas ( nem sempre educados como deveriam ), sem nunca ter a cidade para você, sempre lotada. Vivo numa cidade turística também e quando chegam as férias de verão gostaria de escapar para o Polo Norte, por exemplo. Por outro lado, o turista alimenta o comércio, e se bem educado ( como todo ser humano deveria ser ), é também uma fonte de troca de conhecimento, de culturas, enriquece a convivência. Só não se esqueça que, como cada povo tem sua peculiaridade, o humor do povo francês é quase que sarcástico. C’est la vie.
Tatyana Mabel
Olá,
Quero só esclarecer que achei o bistrô excelente, o atendimento excepcional! A comida permanecerá em minha memória com o melhor dos afetos! O local, portanto, é uma indicação que recomendo! E Paris continua a cidade N.01 na minha lista de desejos!
O post tentou trazer apenas partilhar uma experiência de situações que podem ser comuns a qualquer turista em qualquer lugar do mundo e resulta de uma questão que sempre me coloco: conhecer a intimidade de uma cidade é possível a quem é turista sem grandes alterações na vida local?
Independente da resposta, a frase pichada no muro é, digamos, exagerada! Nem eu, nem a Madame (citadina) concordamos com ela e o texto tenta demonstrar um esforço recíproco de convivência entre nós duas (o turista e o local).
Mas acho que todos aqui concordam, e os relatos postados trazem exemplos, que uma cidade muito turística constrói seus limites e pode reservar espaços para “os da casa”. Lugares onde possam ‘descansar’ do exercício de ‘guias-turísticos’ involuntários: onde não precisem responder onde é a Notre Dame,p. ex, ou onde possam dispensar um atendimento de quem está diante de um velho cliente.
E eu, ao optar entrar num bistrô sem fotos dos pratos no menu externo e sem a tradução para o inglês não estava desavisada… Apenas ainda não encontrei a fórmula perfeita de, sendo turista, conhecer a intimidade de uma cidade sem romper alguns códigos/regras locais (por mais educada que eu tente ser , e por mais sutis que sejam esses sinais , eles existem)… (risos)… mas aceito dicas, pois já estou planejando minha próxima viagem à Paris (risos)!
Abraços calorosos (31oC) da terrinha potiguar para todos!
Beth
Nunca me senti desconfortável ao entrar num local que apenas os parisienses frequentam. Muito ao contrário!
Viajo para conviver com o diferente e com a cultura local…
E isso pode ser tanto em Natal (RN), em Paris ou em Estocolmo….
Fernanda
Não sei explicar este sentimento “anti-turista”, mas como você bem citou no seu texto falando de Natal, Tatyana, acho que é algo que ocorre em tudo quanto é lugar turistico, em qualquer ponto do planeta.
Estive nos Lençois Maranhenses e em Jericoacoara em agosto, e virou mexeu o atendente da pousada, o guia do passeio, o garçom do restaurante, a moça da barraca de espetinhos, abriam um sorrisão quando eu chegava falando português, e sempre davam um jeitinho de reclamar no meio da conversa: “nesta época so tem gringo aqui, não aguento mais”.
No passeio que fizemos ao Delta do Parnaiba, almoçamos em um restaurante familiar que fica em uma das ilhas do Delta. No nosso grupo, éramos 4: um casal de italianos, meu marido francês e eu. Estavamos conversando em inglês, e vivemos uma situação bem parecida que a de vocês neste restaurante em Paris: todo mundo em volta era brasileiro e estava nos olhando com olhos arregalados. Chegou ao ponto de um cara da outra mesa vir falar comigo, perguntar de “onde vêm estes gringos ai” e pedir para tirar foto deles! Eles levaram numa boa e deixaram, mas que nos sentimos um pouco em um zoologico, é fato!
LUCELIA PEREIRA
Ja estive em Paris mais de uma vez…e tento gostar mais da cidade, mas é difícil pq seus moradores não permitem! Eles não devem ser grosseiros com turistas até pq ajudamos a movimenar a economia do país!! Existem exceções, claro…mas na França é sempre mais difícil…é no mercado, no restaurante….Sem contar com o número de golpistas estrangeiros que estão espalhados por lá…é rifa disto, moedinha daquilo, fitiha daquele outro…E a polícia fazendo vistas grossas…
Mévia Ilda Vieira Dias
Marcelo
já estive em Paris várias vezes, nunca tive problema, uma dica: ao entrar em qualquer lugar não custa dizer um BONJOUR sorridente e depois deixar que eles percebam que você não fala francês (não sei se é o seu caso) e no final agradecer com um MERCI e um até logo AU REVOIR e tudo bem. Não custa ser gentil e mostrar um pequeno esforço de se fazer entender no idioma local. Coloque-se no lugar de um turista estrangeiro aqui na nossa terra esforçando-se para falar umas palavrinhas em português, eu pelo menos, acho muito simpático da parte deles.