Por Lúcia Carneiro
Mont Blanc
Para mim o Mont Blanc tem efeito sistêmico e poderes curativos.
O nome do divino doce é uma homenagem ao pico mais alto dos Alpes europeus ocidentais. Fica exatamente entre a Alta Savoia na França e o Vale da Aosta na Itália e a um pulo de Chamonix na Suiça. Seu topo esta sempre coberto de neve. Atravessando o tunel que liga os dois primeiros paises citados, no lado italiano existe um lugar com nome francês, Entreves em Courmayeur. Um sonho de lugar. Só vendo! Bem na base do monte! De tirar a respiração de tão lindo!
Mas isto já é outra conversa.
E assim como os catalães reinvidicam a autoria de La Crème Brulée os italianos fazem os mesmo com o Le Mont Blanc aux Marrons. As castanhas, mesmo que seja em Paris, de Turin naturalmente.
A sobremesa faz parte do cardápo de diversos restaurantes parisienses mas é uma experiência que sugiro ter isolada de qualquer refeição tamanha riqueza de ingredientes.
Puré de castanhas temperado com baunilha e açúcar, merengue, crème chantilly.
Ómeudeus! Cuidado com over dose!
Meu Mont Blanc favorito é o da Angelina
Soufflé Glacé au Grand Marnier
Gemas bem batidas com acúcar claras em neve, creme fresco, raspas e conhaque de laranja (GrandMarnier).
Existem duas versões desta sobremesa: quente pelando e gelada como num sorvete.
Diferem no modo de fazer mas os ingrediente são quase os mesmos.
O resultado químico de forno, no qual é usado um pouco de farinha, ou de geladeira muda o aspecto, sua textura e transforma sabor e aroma. O soufflé glacé servido no Chez Dumonet é uma surpresa, um assombro, único!
Lá algumas das sobremesas são encomendadas ao início da refeição. O soufflé é uma delas.
Preciso também informar que aos sábados e domingos a brasserie está fechada e em Agôsto saem para férias.
Experiência inesquecível!
Crêpes Suzette
Exuberante sobremesa com aroma de aristocracia feita de crêpes, manteiga, torrões de açucar, suco de laranja e muito alcool. Antes era uma mistura de Kirsh, Marraschino, Curaçao mas simplificaram usando o delicioso Grand Marnier. Num carrinho apropriado chegam à sua mesa um fogareiro, uma bela frigideira de cobre, as panquecas já prontas e todos os ingredientes a serem usados. Geralmente é feita pelo Maître ou o expert encarregado. A sobremesa é confeccionada in loco para o prazer de seus olhos. Mas quem era a tal Suzette? Diz a lenda que o filho da Rainha Victoria, futuro Rei Eduardo VII da Inglaterra, jantava bem acompanhado no Cassino de Monte Carlo. Servia-lhe o Maître a sobremesa quando chamas tomaram a frigideira onde estava a preparação. O prato foi servido ao Príncipe assim mesmo, que rapidamente comeu as panquecas com o garfo e usou a colher para sorver até a última gota do molho. Superbe! Em êxtase peguntou: “e como é o nome deste doce?” “Crêpes Princess, Your Royal Highness…” Foi decretado que daquele momento em diante seria chamado de Crêpes Suzette, o nome da bela senhorita que lhe fazia companhia ao jantar. Na foto chamas tomam conta do prato!
Baba au Rhum
O delicado e modesto Baba au Rhum da foto e um expresso, finalizaram meu almoço no restaurante Mini Palais em Paris.
Diz-se que Stanislas, rei da Polonia, ganhou do sogro de sua filha, Louis XV Rei da França e de Navarra, o ducado da Lorraine. Dizem também que era muito guloso e que longe de sua pátria, sem as obrigações e responsabilidades reais ficava a maior parte do tempo mergulhado em suas leituras. Em correspondência, contava de seu dia a dia a sua filha Maria. Trocavam receitas e falavam de suas doces descobertas. Um dia lhe oferecem um bolo característico de sua pátria, o Kouglof, um tanto o quanto sêco. Stanislas pede então ao responsável pelo serviço que o embeba de preferência em alcool e acompanhado de creme fresco, algumas fruta e fica digno de reis. Como na época ele lia Mil e Uma Noites batizou o doce de Baba, por causa de AliBaba, o au Rhum, porque foi a bebida usada para tornar a massa do doce macia.
Em Paris, o patissier et traiteur Stohrer, na rue Montorgueil, o prepara muito bem desde 1730.
Queijos
Brillat Savarin, figura importante da história da gastronomia francesa, dizia que sobremesa sem queijo é uma bela mulher sem um olho!
Por isso eu me lembrei de um caso, a mais pura verdade mas que me faz rir só de lembrar!
Numa montanha no Sul da França, ambiente campestre, um jantar requintado, servido com pompa e circunstância, com o luxo de toalhas de linho, porcelana exclusiva, prataria nos talheres e cristal no copos. Uma cerimônia.
Cada mesa era servida por 5 pessoas simultaneamente. Quem lhe entregava o pão não era a mesma pessoa que lhe servia o vinho, que era diferente de quem lhe servia a sobremesa, que não era o mesmo do que lhe apresentava os queijos.
É sobre o rapaz dos queijos que eu quero falar.
Ele se aproxima da mesa com porte majestoso e uma imensa bandeja, de tamanho descomunal. Lotado de queijos e decorado com uvas e folhas. Com delicadeza apoia a quina esquerda da tábua oposta ao seu corpo na mesa. Escorrega a mão esquerda até o centro superior do retângulo sustentado com a coxa direita a base da bandeja inclinada. Malabarismo! Com a mão direita livre, em posição de apresentação, com a palma virada para cima, sem apontar, mas sugerindo, começa a declamar. O idioma é escolhido de acordo com o que imagina ser a nacionalidade dos que serão servidos por ele. E começa como num poema sem fim de ritmo sonolento a especificar todos queijos que compõe o mosaico depositado a sua frente. A ladainha coube a nós em francês e depois, pela sexta vez no salão foi cantada para um casal de americanos chiquérrimo e educadíssimo.
Espontaneamente e silenciosamente já haviamos nos tornado cúmplices de toda cena.
O rapaz se chega olha para o casal e começa em inglês a cantilena, usa daquele sotaque charmoso de ziiis e zetes que só os franceses sabem fazer. Ao terminar diz: Sir, Madam, what may I serve you? ao que Madame responde:
S’il vous plaît Monsieur, maintenant en français. Je ne prends mes décisions qu’en français.
E eu continuo rindo, até agora, só lembrar!
Endereços:
Maison Angelina: 226 Rue de Rivoli, 75001 Paris – Leia artigo sobre Angelina aqui.
Chez Dumonet: 117 Rue Cherche-Midi, 75006 Paris
Le Grand Colbert: 2 Rue Vivienne, 75002 Paris – Leia artigo sobre o Grand Colbert aqui.
Pâtissier Stohrer Traiteur: 51 da rue Montorgueil, 75002 Paris – Leia artigo sobre Stohrer aqui.
MiniPalais: 3 Avenue Winston Churchill, 75008 Paris – Leia artigo sobre Mini Palais aqui.
Conheça mais pratos tradicionais da culinária francesa:
- Confit de canard
- Foie Gras
- Sopa de cebola
- Raclette
- Queijos como sobremesa
- Steak Tartare
- Ovo com maionese
- Queijo Mont d’Or para o inverno
- Vinho quente
- Coquilles Saint Jacques
- Salada de abacate
- Morangos temperados com pimenta
- Como preparar os aspargos
- Couscous
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46 Comentários
Tatia Rangel
Bonjour!
Aqui em Paris, onde encontrar doces para diabéticos? Já procurei bastante e ainda não encontrei nada, vcs sabem?
Merci…
Lina
Tatia
Não sei te dizer. Se descobrir dicas te falo.
Fernanda Leitão
Aii ai , esses ficam para a próxima ida à Paris.
Teresa Queiroz
Realmente, o Mont Blanc do Angelina é dos deuses!!!
Helena Bäuerlein
Lúcia,
Irretocável !
Descrito com perfeição como se vc fosse uma chef patissière !
Parabéns !
Tatyana Mabel
LuciaC,
Parabéns pelo texto! Obrigada por dividir conosco suas experiências. Elas servirão para o meu próximo roteiro gastronômico em Paris. Uma a uma das suas sugestões. Adoro a boa mesa. Me maravilho com as sobremesas e nessa nova geração dos doces com gordura hidrogenada (ahrhrhr), as boas e velhas receitas nos reportam ao melhor da cozinha. Quanto cuidado e delicadeza em suas descrições. Viajei em cada aroma, cores e sabores dos pratos.
Abraços.
LuciaC
Madá
A bandeja era magnífica mas não tive coragem de apontar a camera.
Não cabia no ambiente, seria muito indelicado, embora tenha que confessar que fotografei tudo mais em volta, antes e depois do show.
Com a ladainha me pareceu até sacrilégio. Eu estava realmente , prestando uma atenção furiosa! Os queijos eram ovinos e caprinos! Com sabores diversos por causa de pastos diferentes. Artezanais. Em forma briques, pyramides, buches. Tinha um que era mergulhado no Marc, embrulhado em folha de castanheira afinado não sei quantos dias. O rapaz o chamou de queijo de Outono. Embora meu interesse e postura fosse de conhecedora, naquele plateau imenso eu procurava um nome que fosse meu conhecido. Quando ele me perguntou qual era minha escolha…eu respondi perguntando: um bleu? Tem de leite de vaca? Implorei por um cremoso simples…sonhei com um Pont l’Eveque cheguei sentir o aroma de um Calvados.
Recebi um olhar mixto de desprezo e indignação do moço.
Madá, sinto desapontá-la! De queijos só sei para o gasto!
Com ajuda de Lina inclui o Mont d’Or nos meus preferidos.
Você viu que acabaram com aquela queijaria adorável da rue de Seine? Aquela que ficava ao lado do Da Rosa? Uma pena!
Marcia Lube
Que narrativa deliciosa e sugestiva !
É só fechar os olhos e ficar imaginando, sentindo os aromas e sabores.
Gostaria de degustar cada um deles . E por isso mesmo já anotei os endereços.
Madá
LuciaC que texto! Eu não sou muito de sobremesa, mas não dispenso os queijos. Adoro o ritual do crepe Suzette. Essa foto que você colocou está com a chama azul linda! Que cerimonial esse jantar que vc descreve, parece um filme! Daria tudo para ver a bandeja e a cena. Também vou engrossar o coro dos que pedem mais LuciaC ! Eu gostaria de um post sobre queijos.
Flávia Carioca
Lucia,
adorei, adorei, adorei!
conheço Paris de algumas idas e vindas com direito a ficar uns meses por lá, mas confesso que domino pouquíssimo da gastronomia…seu post deu água na boca e desvendou mistérios!
deixo aqui a sugestão de mais posts que contam segredos e traduzem para nós brasileiros, os segredos da gastronomia francesa.
beijos,
Flávia