Depoimento de T.C.R.
Aos vinte e seis anos desembarquei em Paris com uma inscrição na universidade Pantheon-Assas (antiga Sorbonne) para fazer um mestrado em Direito Internacional Público.
Por que Paris? Porque além de ser o berço dos direitos humanos, Paris é, a meu ver, a cidade mais bonita do mundo em termos de “beleza construída” e deixo para o Rio de Janeiro o troféu de “beleza natural”. Sem falar que as universidades francesas proporcionam cursos de mestrado e doutorado onde o custo/beneficio é espetacular: além da universidade Panthéon-Assas ser hoje considerada a melhor universidade francesa na área de direito internacional, ressalto que o custo da inscrição anual não passa de 400 euros, o que da direito a todos os benefícios da faculdade como por exemplo acesso às bibliotecas, restaurantes universitários, salas de esporte, internet e inclusive seguro saúde! Estas as principais razões, mas potencializadas pelo desejo de ter uma experiência fora do Brasil, falar francês e explorar uma das melhores gastronomias do mundo.
Eu possuía o principal, ou seja, a inscrição na universidade que me dava direito de obter a carte de séjour para morar em Paris. Mas era só. Não falava francês e não tinha vindo com bolsa de estudos como a maioria dos meus amigos.
Retrospectivamente vejo que foi um grande desafio. Fazer um mestrado já não é fácil, e fazê-lo em outra língua que não dominamos só nos faz sentir ainda mais impotentes. Hoje, após 6 anos, não sei se eu teria energia o suficiente para repetir a experiência. Mas foi essa vivência que me formou e me conduziu na situação atual.
Nós éramos algumas amigas e já chegamos aqui com um pequeno apartamento alugado, o que facilitou as primeiras barreiras. A melhor solução no começo é esta: dividir apartamento com amigos. O problema de Paris é que a oferta de apartamentos bons e bem localizados é pequena, além de serem caros e antigos. Mais tarde tive que admitir que não restam muitas opções e que o melhor jeito de encontrar um bom apto ou quarto para alugar é passando mesmo pelas agencias ou sites como por exemplo www.apartager.com, www.seloger.com. Essas agências pedem uma taxa extra absurda que corresponde a um mês (ou dependendo até dois) do preço do aluguel além de um fiador francês, caução e o primeiro mês de aluguel. Isso significa que é preciso antecipar uma boa soma para o primeiro mês de aluguel.
O mestrado solicitava um grau de francês que eu ainda não possuía. Eu estava inscrita num curso de língua francesa mas não evoluía tão rápido quanto o necessário. Descobri que a melhor maneira de progredir seria se eu integrasse o francês 100% no meu cotidiano se possível juntando o útil ao agradável. Como? Trabalhando nos cafés perto da faculdade só para entender melhor o sotaque, ou nos salões como intérprete para evoluir o francês, inglês, espanhol e até aprender um pouco de italiano, tentando ser vendedora de sorvetes no Roland Garros para ter acesso às finais mais inacessíveis, apresentando marcas em alguns pontos de venda para matar a saudade do pão de queijo e até fazendo um pouco de babysitting para poder ser corrigida pelas crianças que, aliás, são as únicas que têm coragem de o fazer. Sem esquecer, é claro, que o melhor professor pode também ser o seu próprio namorado francês!
A maioria dessas aventuras eu encontrei em sites como www.anpe.fr, http://www.yoopala.com (mais específico para babysitting), em anúncios pregados em frente à escola americana de Paris ou apenas distribuindo currículos perto da faculdade.
Além disso, eu freqüentava a Igreja Saint-Germain-de-Prés, onde eles disponibilizam uma grande sala e um grupo de velhinhos franceses que gentilmente praticam o francês com estudantes estrangeiros. Sempre que podia, ia bater papo gratuitamente com esses parisienses extremamente dedicados. Eu era a única brasileira, todos ou outros estudantes eram americanos.
No final de dois anos entrei em outra fase, muito mais agradável e ligada à minha área profissional. Após o mestrado, o meu próximo desafio seria um doutorado na área de direito internacional dos direitos humanos, sem possuir entretanto um tema definido. Comecei então a fazer estágios com o objetivo de ver os direitos humanos e humanitários sob todos os ângulos possíveis: ONU (Estagio em Genebra pela missão do Brasil), ONG (Caritas Internationalis em Paris), escritórios de advocacia especializados em direito internacional dos refugiados e outros. A maioria desses estágios foram possíveis graças à rede de estudantes da minha universidade.
Após todos esses estágios, apresentei meu CV à uma grande empresa internacional e fui contratada como advogada encarregada do respeito dos direitos humanos em toda a cadeia de produção e o tema do doutorado passou a ser “Responsabilidade social corporativa e direitos humanos”.
Pronto. À partir desse momento estava pronta para esquecer o mau humor dos meus antigos chefes quando trabalhava em restaurantes, as crianças francesas arrogantes e as mães histéricas por ter ensinado os seus filhos quanto ao uso do fio dental, as tendinites do pulso após dias servindo sorvetes.
À partir desse momento descobri uma outra Paris.
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115 Comentários
Lissa
Que delícia de ler!
Inspiração
Anelise
TCR,
parabéns pelo seu depoimento! Ele me encorajou a realizar meu grand sonho:fazer mestrado ou doutorado em Paris na Sorbonne. Sou médica, dermatologista e gostaria de saber como ter acesso aos programas de mestrado ou doutorado em Paris. Se vc puder, me mande alguma dica, por favor.
Abraço!
Beth
TCR
Faço minhas as palavras de Montenegro.
Parabéns por tudo!
Como ex-estudante na Europa desejo tudo de bom para vc!
Abs.
Montenegro
e relevante!
Montenegro
TCR, riquíssima trajetória até aqui. Parabéns!
Assim como Eymard, também me interessei sobre o tema de seus estudos. Para quem milita com o chamado “Direito Social” (Trabalhista Individual ou Coletivo, Humanos, etc), juntar o estudo, a titulação, o crescimento pessoal, acadêmico e profissional com a vida em Paris…acabou que vc nos contagia a seguir sua trilha…
E, às portas do Doutorado, imagino que o melhor da sua vida ainda está por vir. Sucesso e obrigado por dividir conosco sua vida!
Que possamos, um dia, ler a biografia de uma brilhante brasileira com papel propositivo e relv
Simone da Soledade
Você me emocionou, obrigada.
Lenna
Tatiana, tu tens muita garra, menina!Que bela trajetória de vida!Isto é o que se chama “plantar para colher”!!!
Parabéns!!!
Celinha Miranda Mattos
Muito bacana este depoimento e muito corajoso da sua parte contar um pouco da Paris que muitas vezes nao vemos!!!
Cesar
Sempre considerei a vida como um longo corredor com diversas portas. Algumas se abrem quando passamos. Optamos por entrar ou não. Outras só se abrem para os que vêm atrás. Infelizmente sou de uma geração em que as oportunidades ou não eram acessíveis ou não eram devidamente divulgadas. As portas se abriam com menos frequência e, mesmo quando abriam, o cenário político-econômico do Brasil não permitia a todos entrar em todas elas.
Não reclamo. Agradeço. Essa é a minha vida, gosto dela, e fico extremamente feliz quando vejo uma história de sucesso como a da Tatiana que, além de ter tido a oportunidade de ter uma porta aberta, entrou nela com destemor e coragem. Hoje é recompensada com o prazer de fazer o que gosta e com o reconhecimento de todos que aqui leram seu relato.
Jane
Jane Curiosa
O primeiro coment não,só o segundo.
Isso mesmo,que seja bem vinda…
Abç