Por Maurício Torres Assumpção, autor de A história do Brasil nas ruas de Paris
No Brasil dos anos 1800, muito antes que a televisão nos embotasse a mente, as famílias abastadas reuniam-se, à noite, ao redor do piano, quase sempre importado da França. Três nomes marcavam forte presença no mercado brasileiro: Pleyel, Érard e Gaveau. Em Paris, as três fábricas, que exportavam pianos para o mundo inteiro, destacavam-se na cena cultural, mantendo as mais prestigiosas salas de concertos. Duas delas, as salas Gaveau e Pleyel, contam um pedacinho da história da música erudita brasileira.
Foi na Salle Gaveau que Heitor Villa-Lobos apresentou, pela primeira vez, a sua obra para os melômanos parisienses. Algumas peças suas já haviam sido executadas antes, em repertórios variados, mas o concerto de 24 de outubro de 1927, apresentado como Festival Villa-Lobos, abriu-lhe as cortinas da cena erudita na França. Seis semanas mais tarde, uma nova apresentação, na mesma sala, ratificou a sua consagração na Europa com uma acolhida calorosa do público e da crítica.
Inaugurada em 1907, com capacidade para receber um público de mil pessoas, a Gaveau firmou-se em Paris como sala para música de câmara e recitais de grandes pianistas (que, no palco, conferiam o seu prestígio aos pianos da marca Gaveau). Em 1963, porém, a fábrica de pianos faliu. A sala foi fechada, passando mais de uma década abandonada, até ser comprada por um casal de músicos. Com poucos recursos, a Salle Gaveau voltou a abrir as suas portas, mas o estado de deterioração do edifício preocupava. Trinta anos se passariam antes que o espaço pudesse ser tombado como monumento histórico, o que deu início, finalmente, ao processo de restauração do prédio. Reinaugurada em 2001, a Gaveau apresenta hoje, sob administração privada, concertos e recitais para piano, no mais antigo palco da música de câmara em Paris.
A Salle Pleyel, por outro lado, tem uma história curiosa. Inaugurada em 1927, com apresentações de Ígor Stravinsky e Maurice Ravel, foi a primeira sala parisiense construída exclusivamente para concertos de grandes orquestras sinfônicas. Nela a obra de Villa-Lobos foi executada com frequência até 1930, quando o compositor voltou definitivamente para o Brasil. Se a fábrica de pianos Pleyel faliu em 1933, a sala continuou sua carreira sob os auspícios de um banco francês, que só a vendeu em 1998 para o milionário Hubert Martigny – que já adquirira o direito de explorar as defuntas marcas de piano Gaveau e Pleyel.
Já no século 21, o Conexão Paris divulgava os concertos mais interessantes da temporada na Pleyel, que sempre fora maior (2.500 lugares) e mais prestigiosa que a Salle Gaveau. Este ano, porém, o templo da música clássica em Paris está fechado, e seu futuro é incerto. Não que a programação musical da cidade tenha sido afetada. Pelo contrário. Há música para todos os gostos, em toda parte. Mas o foco do repertório erudito foi transferido da Pleyel para a nova e ultramoderna Philharmonie de Paris – tão controversa quanto a malfadada Cidade da Música no Rio de Janeiro.
Sem saber que destino dar à Pleyel, no seu suntuoso edifício art-déco, tombado como monumento histórico, o ministério da Cultura decidiu terceirizá-la, sob uma estranha condição: que a sala fosse impedida de apresentar concertos de música clássica para não competir com a faraônica Philharmonie, cujo custo de construção dobrara, com um atraso de dois anos nas obras (e você achava que essas coisas só aconteciam no Brasil). Quem não gostou nada dessa interdição foram os antigos donos da Pleyel, que a venderam ao Estado em 2009. Inconformada, a ex-mulher de Hubert Martigny abriu um processo contra o ministério da Cultura, criando um imbróglio judicial que fechou as portas da sala por tempo indeterminado.
Se você é fã de música clássica, contudo, não há com o que se preocupar. A Salle Gaveau continua aberta, oferecendo nesta temporada concertos das obras de Mozart, Vivaldi, Chopin, Tchaikovsky e o que mais você imaginar. Além da Gaveau, há ainda a programação do Théâtre des Champs-Élysées e da Philharmonie de Paris no Parc de la Villete.
Confira a programação das salas e reserve os seus bilhetes pela internet:
Salle Gaveau: www.sallegaveau.com
Théâtre des Champs-Élysées: www.theatrechampselysees.fr
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Maurício Torres Assumpção é autor do livro A História do Brasil nas Ruas de Paris, que narra a vida de grandes personagens brasileiros em Paris, de D. Pedro I a Oscar Niemeyer, passando por D. Pedro II, Santos Dumont, os positivistas, Villa-Lobos e Lúcio Costa. À venda aqui, na lojinha do Conexão Paris.
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5 Comentários
Sophia
Sinto tanto pela “perda” da Pleyel… Minha sala preferida na cidade, seja pela estética, seja pela programação. Só resta torcer para que ela possa rapidamente retornar e cumprir seu destino de alegrar nossos ouvidos e tocar a nossa alma.
Mauricio Christovão
Sou apenas um primitivo engenheiro civil, e não arquiteto, mas não consigo deixar de pensar que algumas construções “modernosas” parecem que sofreram um desabamento… Que diferença da elegância das salas Pleyel e Gaveau!!!
Albino Junior
Ola,
Irei assistir semana que vem um concerto na philarmonie de Paris. Estarei hospedado no Novotel est bagnolet, na avenue de lá republique, bagnolet, 93177. Como faço para ir do hotel ou do centto ate a sala de concertos no parc de la vilette?
Wemerson S.
Olá, estaremos em Paris em novembro e gostaria de saber qual seria a roupa ideal para um casal assistir à um recital na Salle Gaveau.
Obrigado!
Rodrigo Lavalle
Wemerson, não é necessário usar roupa de gala mas é bom evitar camiseta, jeans e tênis. Em novembro já faz frio. Tragam roupas quentes: casacos de lã, suéteres, sapatos fechados, cachecol.
Abraços.