É verdade, muito coisa mudou. Desde que cheguei em Paris, em 1983, acompanho com atenção as mudanças. Umas foram positivas; outras, negativas. A disparidade de renda aumentou, os preços subiram, as classes médias foram expulsas de Paris, a miséria se tornou visível e a violência urbana aumentou. Isso é fato.
Mas na área gastronômica tudo vai bem. Muito bem!
É verdade que os pequenos comerciantes e cafés encontram dificuldade para sobreviver nesse novo mundo: crise, concorrência desleal, China etc. Hoje, grandes redes de alimentação fazem parte da dieta parisiense. Starbucks chegou e ficou. Mas existem boas redes francesas que estão longe de serem charmosas como os cafés tradicionais, mas são de boa qualidade e tentam preservar a alma francesa. A Cojean, a Pomme de Pain e a Lina’s Sandwichs são exemplos. É tudo industrializado? Sim, mas não tem como Paris parar no tempo. O mundo é esse.
E os bistrôs, desapareceram? Ficaram ruins? Só servem comida congelada? De jeito nenhum. É claro que as coisas mudam, uns pioram, outros fecham. Mas uma infinidade de excelentes bistrôs sobreviveram e continuam ótimos. E, mais importante ainda: novos surgiram e surpreendem pela qualidade e criatividade.
Até os anos 80, a cozinha francesa era controlada por um grande guia, o Michelin, e seus grandes chefs estrelados. Hoje, vemos com alegria o aparecimento de novos críticos gastronômicos, jovens e dinâmicos, com outra visão e outra dinâmica para a seleção dos restaurantes e bistrôs. Estou pensando sobretudo no grupo que criou o Fooding. Sem falar nos blogs, alguns assinados por críticos competentes. Outros, por outsiders que apesar de não serem profissionais da área, pesquisam e divulgam as informações com muito seriedade. Tudo isso, trouxe dinamismo para a culinária francesa.
Hoje temos uma nova geração de chefs franceses que se expatriaram para absorver os segredos da cozinha asiática, italiana, sul americana etc. De volta à França, eles explodiram os limites da tradicional cozinha francesa. E isto foi ótimo. E foi assim que apareceu a bistronomia. São chefs admirados, copiados e seguidos. Alguns são ícones da gastronomia, como Pierre Hermé, que tem uma visão estética da culinária. A chave do seu sucesso planetário é pensar suas pâtisseries, bolos e macarons como a Alta Costura. Veja artigo publicado pelo Financial Times.
É verdade que Paris já não é mais o único centro da gastronomia internacional. Isso ninguém discute. Outras capitais gastonômicas surgiram tais como São Paulo, Barcelona, Tokyo, Nova York. Hoje temos excelentes chefs brasileiros, espanhóis, japoneses, americanos. E estamos mais felizes assim. Afinal, comer bem não pode ser privilégio dos franceses. Mas, em Paris, ainda temos o privilégio de poder comprar uma baguete com camembert na esquina e quase morrer de prazer.
Para finalizar, recomendo a leitura do artigo do Le Figaro, em que sete jornalistas gastronômicos de várias regiões do mundo revelam suas visões sobre a cidade, com suas delícias e defeitos.
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69 Comentários
Eduarda
Estas fotos comparativas entre Paris de agora e há 100 anos são ótimas e falam por si:
http://www.lensculture.com/rauschenberg.html
Mauricio Christovão
Clara:
Acho que não posso ajudá-la. Quando estive em Barcelona, pensei uma coisa: “É uma cidade orgulhosa”. O encantamento de Barcelona tem a ver com o mar, com as montanhas ao fundo, com o arrojo de Gaudi, com as ramblas, com o orgukho catalão. Não é Paris, ou qualquer outra cidade. É outra coisa. Não procure o que não está lá(ou aí).
Clara
MAURICIO CHRISTOVÃO
Moro em Barcelona atualmente e não a consigo ver com o mesmo encantamento com que vejo Paris. Vc por acaso tem uma indicação de blog ou site interessante sobre Barcelona (assim como os apaixonados por Paris tem o Conexão)? Quem sabe não me animo um pouco mais…
Andreia
Lina, parabéns pelo texto, lindíssimo mesmo, pontuando bem e reenquadrando tudo o que a gente tem ouvido ultimamente… A discussão sobre a “nova” arquitetura parisiense é maravilhosa, mas já me convenci que de a Paris antiga era um “grande burgo” e não gosto visualmente falando, da forma como era antes (essa é uma resposta ligeira, sem detalhes). Meu problema com a Paris atual é a Tour Montparnasse, que é horrorosa, o entorno é malfeito sem falar que é toda cancerígena, com amianto de cima à baixo. Como diz um amigo nosso a única serventia dela é servir de TOTEM para os turistas rsrsrs. Abs!
Anonimo
Excelente texto. Estive na Franca o ano passado apos 14 anos. A primeira coisa que me chamou atencao foi a quantidade de miseraveis nas ruas de Paris. Realmente a pobreza hoje em dia nao se resume so ao Brasil.
Suely
Claudia
Essa frase de Sacha Guitry conseguiu descrever o indescrevível,parabéns!
Bjs
Mauricio Christovão
Uma vez perguntaram ao pintor Caribé, que é argentino de nascimento, mas radicou-se em Salvador há muitos anos e dedicou-se a temas locais, muito coloridos: “O senhor é baiano, ‘Seu’ Caribé”? “Não mereci, minha senhora…”, foi a resposta do artista.
Cidades-ícones, como Paris, Rio, San Francisco, Salvador, NY, Barcelona, possuem um magnetismo próprio, que desperta a paixão das pessoas, a ponto de não nativos como a Lina tomarem-se de amores pela cidade e dela fazerem o seu lugar(sorte nossa!).
Cláudia Oiticica
Depois do ótimo texto e comentários idem vejo que a frase de Sacha Guitry se aplica mesmo aos frequentadores do Conexão. Cada um a sua maneira, com ou sem nostalgia.
« Être parisien, ce n’est pas être né à Paris, c’est y renaître. »