O filósofo Michel Onfray divide toda viagem em três tempos.
O tempo ascendente do desejo e dos preparativos da viagem, o tempo excitante da descoberta do novo e do desconhecido e o tempo descendente do retorno ao lar.
A viagem não existiria sem o retorno às raízes e ao lugar seguro. A pessoa sem endereço fixo não é viajante, e sim errante. Nós precisamos ter um ponto fixo para, de tempos em tempos, nos tornarmos viajantes. Somos viajantes porque sabemos que temos nesta terra um lugar onde retornar com as malas e as lembranças.
Após a viagem e seu movimento frenético, após o uso máximo das nossas capacidades físicas, intelectuais e emotivas, precisamos do retorno e do repouso para recuperararmos as forças e energias gastas.
Precisamos reencontrar nossa cama, nossos livros, papéis e canetas, nosso cotidiano ritmado e organizado. Após os sobressaltos, alegrias e surpresas do percurso, nossa casa se torna um desejo manifesto.
Mas quando voltamos, já não somos os mesmos. Porque retornar significa voltar de algum lugar, com outro estado de espírito. O tempo excitante da viagem é substituído pelo tempo descendente da assimilação lenta de tudo que vimos, provamos, tocamos, sentimos.
No tempo descendente do retorno, durante o repouso do cansaço da viagem, amadurecemos a experiência. O que descobrimos sobre o estrangeiro? E o mais importante, o que descobrimos sobre nós mesmos?
Nesta hora organizamos nossas lembranças. Qual foi o melhor momento? Qual a pior lembrança? Quais as comparações entre os lugares percorridos e nosso quotidiano familiar? Quais nossas certezas e incertezas.
O retorno, para nós, é a garantia de que daqui a pouco partiremos de novo.
Onfray, Michel. Théorie du voyage. Poétique de la géographie, Le Livre de Poche.
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40 Comentários
Mauricio Christovão
Como disse a menina Dorothy, ao voltar de Oz: ” Não há lugar como o lar”
Raquel barbosa
Perfeito! Também acho que “a casa” é um componente essencial de todo viajante. Abraços, Raquel http://www.saladagrega.blogspot.com
Cristiane Pereira
Que texto lindo! Passados quatro meses que cheguei da viagem mais longa que já fiz, e sozinha – 27 dias entre o interior da França, Paris e Lisboa –, ainda estou assimilando e amadurecendo tudo o que vi, aprendi, senti, experimentei. E já começo a pensar na próxima viagem, cheia de desejos, sonhos e paixões. Amei o post, chegou na hora certa! 🙂
Gilmara
Amei o post!!!
Edtou no momento “ascendente do desejo”.
Embarco sábado e não vejo a hora de estar em Paris!!!
Cláudia Oiticica
A felicidade de viajar e a felicidade de retornar. Sensação sempre maravilhosa.
Adoro a definação do José Saramago que a Adriana postou e também, a do Amyr Klink.
“Um homem precisa viajar. Por sua conta, não por meio de histórias, imagens, livros ou TV. Precisa viajar por si, com seus olhos e pés, para entender o que é seu. Para um dia plantar as suas próprias árvores e dar-lhes valor. Conhecer o frio para desfrutar o calor. E o oposto. Sentir a distância e o desabrigo para estar bem sob o próprio teto. Um homem precisa viajar para lugares que não conhece para quebrar essa arrogância que nos faz ver o mundo como o imaginamos, e não simplesmente como é ou pode ser. Que nos faz professores e doutores do que não vimos, quando deveríamos ser alunos, e simplesmente ir ver”
Regina Vasconcelos
Curto mais os meses que antecedem nossas viagens, mas venho “preenchida” o suficiente para ficar bem aqui até à próxima ida!
Vania Wolf
Sofri de um mal terrível depois que cheguei no Brasil: depressão pós-Paris (das bravas!)!! Foi tenso, mas consegui superar isso com muita paciência e a esperança de um dia retornar.
Maria das Graças
“O tempo excitante da viagem é substituído pelo tempo descendente da assimilação lenta de tudo que vimos, provamos, tocamos, sentimos.
No tempo descendente do retorno, durante o repouso do cansaço da viagem, amadurecemos a experiência . O que descobrimos sobre o estrangeiro? E o mais importante, o que descobrimos sobre nós mesmos?”
No parágrafo anterior eu incluiria o que descobrimos na nossa cidade, no nosso bairro que não víamos antes.
É incrível mas esse tempo descendente em mim é longo o que me impossibilita fazer uma viagem seguida de outra.
Adriana Pessoa
José Saramago também define lindamente a volta de uma viagem.
” O fim de uma viagem é apenas o começo de outra.
É preciso ver o que não foi visto, ver outra vez o que já se viu, ver na primavera o que se vira no verão, ver de dia o que se vira de noite,
com o sol primeiramente onde a chuva caía,
ver a seara verde, o fruto maduro,
a pedra que mudou de lugar,
a sombra que aqui não estava.
É preciso voltar aos passos que foram dados,
para repetir e para traçar caminhos novos ao lado deles.
É preciso recomeçar a viagem. Sempre.”