Por Lucia Carneiro
Após ler o post do Conexão Paris “Aspectos pitorescos da vida da Tour Eiffel” pensei sugerir o filme de Louis Malle “Zazie dans le Metro”. Esta obra cinematográfica, lançada em 1960, é uma adaptação para as telas do livro de Raymond Queneau publicado em 1959. Segundo o próprio cineasta, um grande desafio. Sem dúvida!
Eu li o livro em sua tradução e não deveria ter feito na seqüência que fiz, depois de assistir ao filme. O texto é complexo, salpicado de “coagulações fonéticas”, como Queneau chama suas palavras inventadas e trabalhadas como equações matemáticas. Li em português, o que me fez perder o sentido.
Zazie e sua turma fazem uso constante de palavrões que tenho certeza soam mais suaves em francês. Deixo claro que as críticas à tradução para português foram elogiosas. O livro foi escrito em diálogos, tem pouca narrativa e descrição dos personagens, coisas e lugares.
Sei da importância de Queneau entre os intelectuais franceses, considerado um gênio, ícone patafísico da literatura internacional, mas fazer o quê? Eu não gostei. Mas o filme, eu adorei.
O enredo, tanto do livro como do filme, conta uma rápida visita de fim de semana a Paris de uma menininha precoce, mente fértil, sem papas na língua, boca suja, sem um traço de boas maneiras, que tem 2 desejos frementes inadiáveis: andar de metrô e possuir um blue jeans. É sua primeira vez na cidade, mas acontece que o metrô está parado, fechado. É a greve!
Zazie e sua mãe chegam na capital vindas da província, cada qual com seu objetivo. Na Gare de Austerlitz, Jeanne, a mãe, a entrega aos cuidados de seu irmão Gabriel e segue em redemoinho para o fim de semana nos braços do amante.
Sem metrô funcionando Zazie e o tio usam o velho táxi de Charles para passear pela cidade.
Tio Gabriel, que é casado com a irmã de Charles, tem uma profissão um pouco esdrúxula, trabalha à noite como drag queen (“artiste-danseuse de charme” como se proclama) num cabaret.
Zazie é precoce, desenvolta e fala absurdos com a maior naturalidade. Elá é técnica em perguntas íntimas, inconvenientes e ultrajantes. Quer saber durante todo tempo se o tio é ou não é “hormossessuel”. Gabriel ou Gabrielle? Ou os dois.
Um assunto absolutamente tabou para a época e chocante vindo de uma menina. Zazie é assim. Elemento catalisador de acontecimentos caóticos surrealistas que apontam para uma imagem terrível do mundo moderno e de uma vida absurda numa Paris linda e frenética. Porém ela parece ser o único personagem lúcido na trama…”tout c’est du cinema!” Ela diz.
Uma sucessão de non senses, de parodias e efeitos especiais, fazem do filme uma comédia alucinante.
Tudo termina quando acaba o fim de semana, na mesma Gare de Austerlitz, com o encontro de mãe e filha para volta ao lar. Na porta do trem Jeanne pergunta a Zazie: “o que você fez durante estes dias?” Zazie responde: “j’ai vieilli”, envelheci!
A visita que fazem à torre Eiffel é o ponto central da obra. Uma das passagens visualmente mais lindas é a descida vertiginosa de Zazie e Charles, o motorista, através do rendado de ferro da torre usando a escada helicoidal.
O filme é uma viagem supra real que homenageia Paris do fim dos anos 50, ainda machucada pela guerra. O humor fantasioso é sarcástico e Louis Malle dedicou o filme a Charles Chaplin.
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13 Comentários
LuciaCarneiro
Mauricio Christovão
muitos explicam a Patafísica, o Surrealismo e outras expressões artísticas visuais e literarias como reação aos horrores das guerras na Europa.
O non sense, o humor ácido podem ser também armas para criticar a sociedade.
Sem ter como lutar contra um mundo desesperador e revoltante alguns artistas procuraram modificar a situação através da arte do absurdo para a assimilação das mudanças mais facilmente. Que bom você gostou!
Mauricio Christovao
Lucia Carneiro: Obrigado por mais uma dica cultural interessante. Gosto muito dos fimes franceses dos anos 60, quando a Europa estava se recuperando da 2ª Guerra e os velhos costumes e as novas ondas(música, feminismo, liberdade sexual) começavam a se chocar…
maria virginia s pantani
Estou apaixonada pelo Conexão Paris…É uma forma muito interessante de divulgar cultura francesa…Assisti Zazie e assistirei novamente pois muitas cenas precisam ser revistas em detalhes.
Foi como estar resolvendo uma xarada! Pensei, non sense, tudo bem . Mas pq rapidinho? Agora li que Malle dedicou a Chaplin. Bingo!!
O livro não deve ter a menor graça…Não há como descrever aquilo tudo logicamente!!!Adorei
Adriana Pessoa
Que bom ler este texto da Lucia C!
Fiquei curiosa com o livro e filme!
Helena Bauerlein
Muito feliz em ver Lucia Carneiro de volta ao Conexão Paris.
Adorável o texto!
Amei esse filme. Me identifiquei com Zazie, seus palavrões e sua irreverência!
Quando você vai escrever sobre o Boudu?
eymard
Lucia, delicioso o seu post. Como Zazie, dá para viajar no seu relato. Também comecei pelo filme mas, confesso, não consegui ir adiante no livro. O seu post me desafia e retomar a leitura e, no final de semana, assistir novamente Zazie.
LuciaCarneiro
Lili
a editora do livro, a CosacNaify, tem uma loja virtual. Você pode comprar direto.
Fui conferir o endereço e me dei conta que a capa do meu era diferente. A edição que está à venda em português vem com o prefácio de Roland Barthes.
http://editora.cosacnaify.com.br/Loja/PaginaLivro/11323/Zazie-no-metrô.aspx
Fábio
Olá! Este é meu primeiro comentário no Conexão Paris. Adoro o site, visito diariamente, assim consigo saber das atualidades e matar minha saudade da Cidade Luz.
Achei muito bacana este post sobre filme, parabéns!
Se possível, adoraria ler novas postagens de filmes franceses.
Abraços
Lili Carvalho
Olá,
Como adquirir o livro?
Aqui na cidade de Santos/SP Br , não tem
bisous
Cibelly
Que coincidência! Na última semana terminamos de ler Zazie em um grupo de conversação e vamos ver o filme na próxima quinta-feira. O que dizer do livro? Não é uma leitura fácil, há muitos jogos de palavras, linguajar coloquial e creio que só foi possível mesmo entender muitas partes por conta da orientação do nosso professor. Mas eu recomendo sim, é um retrato muito interessante da Paris do início do século passado.