Por que o incêndio da Notre Dame Paris despertou tanta comoção? A brasileira Jaqueline Simas de Oliveira reflete sobre o ocorrido.
Por Jaqueline Simas de Oliveira
Efêmero. Tudo é passageiro.
Durante um banho demorado procuro entender o que faz um desastre como o da última segunda- feira (15) despertar a atenção e a solidariedade do mundo. Por que tal acontecimento desperta tanta comoção? Um evento tristíssimo, claro; mas certamente menos trágico do que inúmeras tragédias que assolam nosso cotidiano.
As respostas evidentes vão no sentido de dizer que é porque a Notre-Dame de Paris é um dos monumentos mais visitados do mundo, é símbolo de uma religião milenar, retrato de uma cidade, obra-prima arquitetônica, o resultado de épocas e costumes diferentes. Para mim, no entanto, nenhuma dessas explicações justifica, isolada ou conjuntamente, tamanha aflição – ainda que todas elas acompanhem o sentimento.
Acredito que estamos atônitos por um outro motivo. O incêndio da Notre-Dame é um choque de realidade para a vida. O prédio é símbolo de resistência. Resistiu à Revolução Francesa, à Comuna de Paris, à Guerra Franco- Prussiana, às duas Grandes Guerras. Parecia inabalável. Parecia tão inabalável que eu, ao ouvir a notícia do fogo, concluí imediatamente “é coisa boba, rapidamente será controlado”. Parecia, até a última segunda-feira. Até que vi a primeira foto. A flecha sendo engolida pelas chamas. O teto desabando. Até que me dei conta de que a atmosfera sonora da cidade estava tomada por sirenes de viaturas de bombeiros.
“Cadê a resistência? Achava que fosse intocável, eterna, imune a qualquer coisa”, pensei. Mas não é. Não é nada disso. Em um dia ela está lá, imponente e forte. No outro, está indo embora. Uma história secular sendo lambida por um fogo voraz durante míseras horas que não deveriam significar nada diante de todo tempo de sua existência. Não há quase nada que se possa fazer.
“Será que aproveitei tudo o que ela tinha para me oferecer nesses meses que passei em Paris?”. “Será que meus olhos foram capazes de fotografar tudo o que guardava aquele monumento?”. Questiono-me. “Guardo boas memórias”. Aquieto-me. “Mas se eu não tivesse conhecido a catedral, acho que estaria ainda mais triste. Afinal, imagina não ter agarrado a oportunidade de realizar um sonho pessoal desses?!” Concluo.
Vocês veem o mesmo que eu vejo? Entendem como eu entendo?
O incêndio da Notre-Dame mostra que tudo na vida passa. Nem as fortalezas são inatingíveis. Certezas não existem. O incêndio da Notre-Dame Paris é uma analogia à vida humana: não estamos imunes.Nada é eterno: pessoas, momentos, monumentos. O incêndio da Notre-Dame é livro de autoajuda: aproveite o instante presente, as pessoas presentes, as oportunidades presentes. Não tenha tanta certeza de que o que é hoje, continuará sendo amanhã. De um dia pro outro aquela pessoa não está mais lá, a experiência tão planejada acabou, a oportunidade passou. E o que resta, com sorte, é a tranquilidade por ter sido proveitoso. Ou o remorso por não ter honrado o que era digno de honra.
Na última segunda-feira Paris foi dormir muito diferente de como amanheceu. Seu maior símbolo sofreu. E ninguém podia prever. Ninguém antecipou. Ninguém imaginou. Ora, mas por que não?! Afinal, tudo é efêmero, tudo é passageiro. Inclusive as certezas e as fortalezas.
Jaqueline Simas de Oliveira tem 25 anos, é brasileira, advogada e mora em Paris, onde cursa um mestrado. Se descreve como uma pessoa apaixonada pela história, pela arte, pelo seu país de origem e pela França, mas, sobretudo, pela vida.
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11 Comentários
Louis Dimas
Olá. A St Chapelle é próxima. Pode-se hoje visitar a St Chapelle ou está no cerco que não se visita?
Rodrigo Lavalle
Louis, o acesso à Sainte Chapelle está liberado.
Isabel
Há 40 anos vou à Paris duas vezes. Abril e outubro. Adoro. Estive agora e volto em outubro. Amo!
Isabel
Vi o incêndio na hora. Chorei muito. Saí de Paris na segunda-feira. O acesso à ilha ainda está fechado?
Rodrigo Lavalle
Isabel, o acesso à ilha está liberado mas não é possível chegar muito próximo à igreja.
Francisco
Parabéns pelo texto Jaqueline! Uma bela reflexão sobre o tempo e a vida.
MARCOS ALMEIDA
Ficamos chocados por todo esse conjunto de coisas. Nossa ligação é emocional. Da mesma forma fiquei com o incêndio no Museu Nacional que visitei nos tempos de estudante do 5º ano, porque lá tive meu primeiro contato com a historia natural, as múmias e com relíquias da nação brasileira (como o museu não era tão conhecido fora do país, a repercussão foi menor. Mas desejamos que a arte permaneça!
marcy
Ótimo texto Jacqueline.
Tem total razão. Tudo é tão passageiro!
Que representatividade esta fortaleza tem, quanto ela significa para o mundo todo.
Willna
Foi o mesmo sentimento que tive… a vida passa, os dias se vão e o TEMPO ninguém detém, a não ser o DONO DO TEMPO – Deus, que tantas vezes é trocado pela matéria, pelo nada…
Edmilson
Belíssima reflexão!
Ana Guimarães
Pois é, Jaqueline, também pensei que a Notre-Dame estaria lá para sempre. Nas minhas cinco estadias em Paris, apenas numa não a visitei, pois cheguei da Suíça com crise de labirintite e logo tive que voltar ao Brasil. Na segunda-feira fiquei estarrecida, sem palavras, quando vi sua torre desabar.
A ‘lição’ que fica é essa mesmo: Carpe diem, porque tudo é passageiro.
Belo texto, obrigada