Classifico na categoria diferenças culturais a questão “os franceses e seus dentes”. Meu olhar é antes de tudo sociológico sem qualquer outra conotação.
A diferença é brutal na comparação entre brasileiros/franceses e seus dentes.
Desde que aqui cheguei, há anos, anos atrás, a falta de preocupação dos franceses com a estética bucal me intriga. Desde 1983 até hoje tive tempo suficiente para observar os mesmos problemas em classes sociais as mais diversas. Como me casei com um cirurgião dentista francês, tive também tempo de sobra para discutir a questão com um profissional da área.
Um ponto preciso me intriga nos franceses, sejam eles ricos, pobres, cultos, incultos: a falta, não diria sistemática mas frequente, do pré molar. No primeiro grande e alegre sorriso, lá está o buraco logo após o dente canino.
Nunca fiz pesquisas sobre o assunto, mas não erro em dizer que encontramos, no Brasil, o mesmo caso nas parcelas mais pobres da população. Aquelas cuja falta de recursos abole a questão estética.
Ora, não é o caso na França. Tenho amigos queridos, pessoas que fazem parte da elite econômica e cultural francesa, que possuem o sorriso desdentado. Para eles, imagino, fato irrelevante ou problema inexistente. Eles possuem um aguçado sentido estético em relação à outros aspectos corporais, frequentam os melhores cabeleireiros, cuidam do corpo com dietas, ginásticas e esportes. Estão sempre elegantes, roupas e acessórios que marcam a posição social, apartamentos bem decorados e vida social animada. Como explicar a questão?
Outro fato me intriga também. Até hoje, aqui na França, eles não chegaram no uso sistemático do aparelho para correção estética. Aparelho aqui é somente em casos graves, em situações consideradas patológicas. Olha que já sou do time de “uma certa idade” e, no Brasil, a minha geração toda apresentou, por razões estéticas, o famoso sorriso blindado.
E quando perguntei para o marido porque, citando os nomes de inúmeros amigos e conhecidos, os franceses não ligavam para a falta do molar ou para dentes encavalados e tortos ele ficou alguns instantes sem resposta. Em seguida justificou dizendo que os seguros não pagam implantes dentários e correções estéticas.
Hoje ele sabe que a questão não se esgota aí. No Brasil, com seguro ou sem seguro, nós exibimos um sorriso sem falta.
A idéia deste post surgiu ontem quando li no site Aujourd’hui le Brésil artigo sobre os brasileiros e seus dentes impecáveis, sobre os 2.96 bilhões de reais que gastamos em consultórios dentários. O artigo explica que apresentar dentes brancos e perfeitos faz parte do nosso quotidiano, assim como o cabeleireiro e a manicure. Por isso nos transformamos no segundo maior mercado do mundo em higiene bucal.
Se em outros países encontramos distribuidores de preservativos nas farmácias, de biquines nas piscinas e de bebidas nos corredores do metrô, no Brasil encontramos distribuidores de fio dental e de Listerine nos restaurantes mais chics. E para a felicidade dos dentistas, esta profissão se tornou a segunda mais bem remunerado do país.
Pena que meu marido não exerceu sua profissão no Brasil!
Descontos e presentes aos leitores do Conexão Paris
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194 Comentários
Livia
Lina, eu e meu marido somos dentistas e na nossa primeira vez na França, em 2010, em questão de cinco minutos percebemos exatamente o que você descreveu no texto. Em toda a Europa a preocupação com a estética e a saúde dentária quase inexiste. Como um colega aí descreveu em seu comentário, a vida de um dentista brasileiro não é moleza, mas é fato que aqui, com os planos e parcelamentos doa tratamentos, houve nos últimos anos especialmente uma grande difusão da cultura de tratamento odontológico especialmente na classe média baixa, que tinha muito pouco acesso. ótimo texto
Claudio
E verdade, meus amigos franceses nao usam fio dental , escovam o dente de manha apenas e realmente muitos nao têm o molar, ou outros!!! Um horror!
Carla Chardonnet
Haha,disse tudo.Isso tbm me intriga demais aqui na França,mesmo ancoras de jornais da tv tem os dentes da frente separados,coisa q nao é dificil de tratar.No Brasil,parcela-se em 500 vezes ,mas conserta-se o dente.
Marcia Rodrigues
Post sensacional! Sou dentista e quando estive em Paris no mês passado, me intrigava a mesma coisa. Mas acho que é cultural, na Itália, Espanha ou Portugal a gente tb nota isso!
Ainda vou mais longe e acho que, devido ao grande número de profissionais aqui no Brasil (principalmente com o grande boom de dentistas nos anos 90 e 2000), a oferta ficou bem maior (nunca maior que a demanda, que é enorme), faculdades abrindo, profissionais sendo lançados no mercado, etc. E fizeram nossos preços tornarem-se bem mais atrativos para a população. Mas ainda assim, a preocupação é bem mais pela estética do que propriamente pela saúde.
Mudando de assunto, ainda vou mandar um email pra vc contando sobre minha maravilhosa viagem embalada pelas dicas do Conexão! Obrigada!
sandra teodoro
Sorriso blindado no Rio nas mulheres já maduras, dar um ar de adolescente….rs
Clarice
Muito interessante o post. Tenho mãe e irmã dentistas, o mercado no Brasil não é fácil, mas acho que devido a proliferação de clinicas populares, hoje em dia todo mundo coloca um aparelho e clareia os dentes no Brasil. Reparei também essa falta de cuidados na Argentina e Chile. Abraços
marcio trindade
me esqueci de dizer sou …sou implantodontista e minha esposa ortodontista. no brasil, nao dobramos uma esquina sem ver uma pessoa com aparelho corretivo. ai em paris, nao vi tres pessoas usando. talvez, as mesmas, sejam brasileiras…rsrsrsr
Claudia
Everton Kist. Muda pra lá!!! Fará sucesso!!!!
marcio trindade
Ola lina, mais uma vez estou aqui no seu blog. nas minhas idas a paris verifiquei a mesma coisa. so corrigindo uma coisa… imediatamente apos o canino sao os pré-molares e nao molares. obrigado.
Adriana Pessoa
Me lembrei de outro aspecto na França.
Pelo que sei, a odontologia não é um curso específico, assim como no Brasil. É uma especialidade médica, isso quer dizer que todo dentista, é formado em medicina. É isso mesmo?