Por Sophia
Quando criança, minha mãe me colocou para estudar num colégio católico bem tradicional e conservador, de freiras francesas. Self-made woman, mamãe teve uma infância muito simples e feliz, na fazenda, quebrando as vagens de feijão e subindo nas jabuticabeiras. Ela queria uma educação de primeira linha para seus filhos, uma vez que o dinheiro deixara de ser restrito como na sua infância. E assim eu fui. Estudei a vida toda nesse colégio. Parte do que eu sou, devo a ele. A parte que eu não sou também.
O bom é que lá eu aprenderia francês. Mas o destino tem seus caprichos. Quando cheguei ao então ginásio, o francês já não era a língua estrangeira obrigatória. Estudava-se inglês. Aquelas coisas de demanda do vestibular e do mercado. É verdade que tive boas professoras de inglês no colégio. De francês, quase nada. Para manter a tradição da congregação à qual as freiras pertenciam, elas nos ensinavam as orações católicas em francês. Ainda escuto o eco das vozes infantis: “Je vous salue Marie…”. Mas o projeto de aprender francês teve que ser adiado.
Cresci e fui morar em São Paulo. Ah, mas o francês me encantava… É sonoro, qualquer frase parecia uma canção. Adorava o italiano também, porque sou descendente de genoveses. Fui aprender um pouco de italiano, só para ter alguma noção. As aulas eram ótimas. Falar italiano dá fome, porque todos os temas acabam em comida.
Então conheci um cara. Lindo, elegante, inteligente. (E arrogante. E egoísta. Mas isso é outra história). Eu era bem jovem e deliciosamente tola. Nos enroscamos. Ele tinha morado por 10 anos na França com a mãe e estava de volta ao Brasil. Como eu demonstrava interesse pela língua, ele começou a me ensinar palavras e frases em francês. Temperado pelos hormônios da época, é claro que as coisas que ele me ensinava eram nada publicáveis e seus significados eu só descobria depois de pronunciá-las ao pé do ouvido.
Certa feita, durante um jantar, eu contava uma história desagradável que tinha acontecido comigo e ele me respondeu: “Ah, bom”. Como assim, “ah, bom”? Era ironia? Ele estava insinuando que era bom eu ter me estropiado? Diante da minha cara surpresa, ele correu a se explicar. O que ele havia dito era “ah bon?”, com n de navio e ponto de interrogação, e que isso significava “é mesmo?”, “de verdade?”, coisas assim. Achei a frase encantadora. Finalmente era algo que eu poderia dizer em público. Era tipicamente francês. Caí de amores pela frasesinha. Foi minha primeira lição de francês.
O romance acabou, o tempo passou e finalmente comecei a estudar francês. Trabalhei em empresa francesa. Tive chefe francês. Tive subordinado francês. Aprendi um monte de palavras. De frases. De tempos verbais. De termos tipicamente franceses. Alguns me divertem, como usine à gaz, canard boiteux, cousin germain. Mas nada supera o charme do termo que aprendi na minha primeira lição de francês, e que continua sendo a minha expressão preferida.
Ah bon? Que bom!
Foto: street art em Paris.
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50 Comentários
Thais
Marcia, que coincidência, meu interesse pelo francês também começou por causa dos filmes da Nouvelle Vague (infelizmente não tive oportunidade de ver nenhum no cinema). Desde que vi Truffaut pela primeira vez sabia que queria falar francês, hoje depois de 2 anos estudando Francês e os filmes do Truffaut tenho certeza que nasci para falar francês!
O Francês é tão forte na minha vida que eu já solto um ‘merci’ ou ‘je ne sais pas’ e até o mesmo ‘Ah,bon?’ sem querer no meio de uma conversa em português! O cérebro funciona em francês!kkkkk
O cinema francês é um grande professor e Truffaut o grande responsável pelas minhas primeiras lições de francês!
Evandro Barreto
Bravô!
Muito bem vivido e muito bem escrito.
Suely
Adorei ler todos os depoimentos…e o seu Sophia delicioso!!!
Beijos a todos que como eu tentam falar essa língua apaixonante.
Chris
Aprendi Francês com o Vincent , meu ‘namorido’ 🙂
Nos conhecemos pela internet, e até nos encontramos foi 1 ano de papo descompromissado, até o encontro em Salvador, onde inevitavelmente ficamos juntos e começamos a relação. Até ai so falavamos inglês. Na volta da Viagem, ele entrou num curso de português la na França, e eu aqui no Brasil comecei a ter aulas de francês. No primeiro mês de aulas, decidimos abolir o inglês por um tempo, e começamos a nos falar nos dois idiomas: ele tentava seu português comigo, e eu meu francês ‘torto’ com ele rsrsrsr. Foi ilario! A gente se divertia com os erros um do outro e corrigia ao mesmo tempo…
Isso foi em 2009!!
Em 2010 acabei passando para um mestrado em Paris, em Inglês. Mas os ‘colocs’ eram franceses, e trabalho em francês… acabei fazendo algumas semanas de aulas la pra corrigir algumas questões de gramatica e escrita que passam batidas quando se aprende o francês avançado no dia a dia. Hoje estou de volta ao Brasil, ele veio junto. Fala português melhor que muito brasileiro, sem perder o sotaque francês, claro 😉 E a gente ainda se diverte até hoje, começando frases em português e terminando em francês, seja aqui ou la 🙂
Maurício Christovão
Que beleza de texto!!! Lembrei-me de Pierre Vincent e sua família…
Alessandra
Ah, conta mais!
Marcia
Muito cedo começou minha simpatia pelo francês. Foi através dos filmes de Nouvelle Vague, que na verdade ainda seriam proibidos para minha tenra idade de então (mais ou menos 13 anos) porém, o filme trocava a cada semana e num cinema bem perto de minha casa e que só passava nouvelle vague, então eu ia toda segunda-feira, na sessão das 14h00, pois nessa hora o juizado de menores não ia lá, e eles deixavam eu entrar, o cinema praticamente vazio… Era uma delícia…Depois, no ginásio tínhamos aula de francês, e eu sem entender praticamente nada, tinha uma pronúncia que era sempre elogiada pelo professor… Vida que passa, casei e meu marido conquistou uma bolsa de estudos na França para uma pós-graduação de urbanismo e assim eu fui e passamos 2 anos maravilhosos em Paris. Lá fui estudar francês na Aliança Francesa do Bld.Raspail, conquistei o diploma de francês falado e escrito e me candidatei ao exame da Câmara de Comércio de Paris, conquistei este diploma também. Quando voltei ao Brasil procurei trabalho com franceses para não me afastar desse idioma adorável. Como já estou aposentada há mais ou menos 20 anos estou perdendo um pouco da construção de frases em francês, mas ainda dá para ser entendida. É uma língua lindíssima e tenho muito prazer, até hoje, de escutar e/ou ler em francês. E agora em outubro, estou indo para lá onde com certeza vou me deliciar : ouvidos, olhos e paladar.
Sabrina
Linda escrita!!!
Andreia
Eu também sou uma apaixonada pela língua francesa, acho muito sexy, parece musica aos meus ouvidos, estou dando meus primeiros passos neste universo desta língua, e confesso que adoro me ouvir pronunciar algumas poucas palavras.
Quanto a você, Sofhia… adoro seus textos, são tão deliciosos.
Adooooro todos, merci.
Marcia Lube
Minha experiência com o aprendizado da língua francesa teve início como num sonho : de repente, de um dia para o outro, lá estava eu, sem entender nada, nada mesmo, sentada em uma sala de aula do “Athénée Royal de Liège II “( pour garçons et filles).
Nos poucos dias antes de embarcarmos, aprendi o que consegui, repetindo com o meu irmão algumas frases de diálogos de um livro chamado “Assimil” : “Nous partons pour la Belgique. Ah, et quand partez vous ? Nous partons problablement à la fin de la semaine…”
Já na Bélgica, cheguei em casa depois desse 1º dia aula, dizendo que era preciso comprar “une feuille de brouillon” para fazer o dever de casa.
E hoje, quando me lembro disso, o sorriso vem de imediato aos lábios : como se uma folha de rascunho fosse preciso ser comprada !
Esses anos em terra estrangeira desenvolveram em mim um amor pela língua francesa , por sua civilização e sua literatura que me acompanhou pela vida toda.
E me fazem reconhecer os méritos de meu pai, militar e engenheiro, cuja missão de transferência de tecnologia para o governo brasileiro, nos proporcionou essa estada.
Que oportunidade maravilhosa !
Obrigada meu Pai !!!
Obrigada Conexão Paris por fazer tudo isso sempre presente, todos os dias !