Por Evandro Barreto, autor do livro Na Mesa Cabe o Mundo, lançado pela Editora Conexão Paris.
O fascínio de La Blonde pelo Hotel Lutetia vinha de longa data e as razões eram muitas: a localização perfeita, o charme da arquitetura, o requinte de cada detalhe, a qualidade dos serviços, a paisagem humana. Mas nunca tínhamos nos hospedados juntos ali. Desta vez, corrigimos a falha e vivemos uma experiência inesquecível, como se Paris inteira estivesse concentrada num só lugar.
Arte? O Lutetia tem um acervo mais importante do que muitas galerias famosas. No saguão térreo e no hall de cada andar o elevador se abre diante de magníficas esculturas. Destaco o “Gustave Eiffel”, de Cesar, e o “Nu com globo de luz”, de Max Le Verrier, ícone da Art Déco que teve como inspiração a bailarina Josephine Baker. O design do século XXI está brilhantemente representado pela Brasserie Lutetia, renovada de ponta a ponta por Sonia Rekyel. E os tapetes em que pisamos parecem prontos a levantar voo em busca de Sherazaade.
Gastronomia? A Brasserie Lutetia, com sua banca de ostras e tantas outras dádivas do mar, já bastaria a qualquer gourmet. Um dos destaques é o majestoso homard, lagosta com garras que não costumamos encontrar no Brasil. Nossas lagostas caiçaras não são de briga; preferiram desenvolver longas antenas para identificar o perigo a prudente distância. Mas há, também, o estrelado restaurante Paris e a irresistível seleção de pães e folhados no café da manhã.
Elegância? O amplo espaço antes ocupado pela piscina e seu entorno hoje é uma fascinante loja com a griffe “Hermès” – catedral do consumo sofisticado, onde a devoção sempre cede à tentação.
História? Muito mais a contar do que se pode resumir. Inaugurado em 1910, o Lutetia veio a se tornar o ponto de reunião favorito de escritores e artistas, como Gide, Joyce, Matisse, Saint-Exupéry e inúmeros intelectuais fugidos do totalitarismo. Durante a ocupação da França na II Guerra Mundial, ali se instalou o serviço secreto de Hitler. Com o fim do conflito, o hotel foi o centro oficial de acolhida aos deportados que retornavam dos campos de concentração. Houve dias em que mais de duas mil pessoas chegavam em busca de parentes. Levada por Albert Camus, Juliette Gréco, a musa do existencialismo, reencontrou mãe e irmã, deportadas anos antes.
Manifestações? Paris sem manifestações de protesto não seria Paris. E do balcão de seu quarto no Lutetia, você assiste de camarote a marchas quase diárias contra tudo – do racismo à homofobia, da elevação dos impostos às agressões à natureza. Neste ano, La Blonde e eu tivemos a oportunidade de acompanhar um movimento contra a própria direção do hotel, com apitos, bandeiras, piquetes e greve de funcionários. Allons, enfants!
Drama? Georgette e Bernard atingiram juntos 86 anos de idade, sessenta de vida em comum. Chegaram ao Lutetia com pouca bagagem, agendaram café no quarto para a manhã seguinte e não saíram mais. Quando o garçom veio com a bandeja, Georgette e Bernard estavam deitados, vestidos e compostos, mas não se moviam. Entre as cartas deixadas, a defesa do direito à morte com dignidade. Um detalhe só foi divulgado mais tarde: terminaram como certamente tinham começado, tanto tempo antes. De mãos dadas.
Alegria? No piano bar, a cada noite uma atração, do pianista australiano com sotaque de Oxford, à cantora italiana que conhece tudo de bossa nova, do trumpetista novaiorquino com agudo senso de humor, aos amigos dos artistas contratados – que chegam para assistir, acabam chamados ao microfone e se revelam tão bons ou melhores do que os titulares. E como o público gosta mesmo é do que já conhece, nunca faltam canções de Gershwin e Cole Porter, Michel Legrand e Tom Jobim. Sem falar das mil-e-uma interpretações do tema de “Casablanca”. Quando a música termina, o espetáculo continua, a cargo dos frequentadores vindos de todas as partes do planeta, unidos pela alto astral e com todo o jeito de personagens de filmes e romances. Destaque para Heloisa, mineira de São João Del Rey, artista plástica de grande talento e coreógrafa do caos.
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Conheça o livro Na Mesa Cabe o Mundo, escrito por Evandro Barreto.
Leia as demais crônicas de Evandro Barreto publicadas no Conexão Paris.
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32 Comentários
Carolina
Fiquei hospedada no Lutécia em junho/julho de 2012, não me lembro mais exatamente. Estava chegando de Lisboa ou outra cidade da Europa, também não lembro mais… Fato é que foi terrível o momento do check in.
Uma funcionária oriental bastante despreparada escolheu o pior quarto do hotel , um que parecia estar fechado …Não sei. Ficamos escandalizadas com o atendimento. Mandamos chamar o gerente e surgiu uma moça de aparência incompetente tanto quanto a recepcionista. Funcionários descendências estrangeiras visivelmente, desenformados e sem qualificação , não à altura de um hotel como o Lutécia que naquele momento estava sendo sua tradição e história jogados no lixo da vulgaridade representada pelas funcionárias. Resumindo, depois do estresse da chegada , depois de checarmos o novo quarto, aí sim, decidimos ficar. O café da manhã é um dos piores que já tive em várias hospedagens na cidade….Lutécia? Não mesmo!!!
LILIANE TEIXEIRA
Infelizmente eu tive uma experiência péssima neste hotel. Fui comemorar meus dez anos de casamento e eles me colocaram num quarto horrível, com aspecto de quarto funcional. Acheo o atendimento péssimo também e aquela fila para o café da manhã foi desnecessária! Eu não volto !
Maurício Christovão
Tenho entrado pouco no CP, e só agora estou lendo essa(mais uma!) impecável e deliciosa crônica do Dodô. Como disse o Jorge Fortunato, dá vontade de ir correndo para o Lutetia!!!
Regina Vasconcelos
Perfeito, parabens Evandro pela cronica impecavel sobre o Lutetia!
Valdirene Mendes
Se o lugar é encantador, o texto o deixou ainda mais. Fiquei fascinada, curiosa e sonhando com o Lutetia. Dodô, muito obrigada e parabéns
evandro barreto
Caros hóspedes deste planetinha agraciado com inúmeras estrelas, agradeço o convívio que vocês me proporcionam neste espaço compartilhado por vivências ricas e afinidades claras. Abraços a todos.
Suely
Ahh Dodô e Beth
Que delícia de estadia.
Morri de saudades de Paris. Bjs
jorge fortunato
O texto provoca o desejo de ir correndo para o Lutetia!
Cristiane Pereira
Ah, Dodô, que maravilha de texto! Impecável, inspirado, redondinho – comme d’habitude! Delícia ver, rever e sentir Paris e o Lutetia no seu texto!
Juliana e Dri,
os franceses falam “Luteciá” – com o som do “e” mais ou menos fechado, mais ou menos aberto, rsrsrs. E no nosso português, é Lutécia! Bjks! 😉
MônicaSA
Adoro o Lutetia. Uma ocasião comerei o meu aniversário no brunch de domingo. Quando a atendente soube que era meu aniversário, trouxe a coupe de champagne como cortesia. Momento de orgulho é ver a bandeira do Brasil ostentada junto com as da França, União Européia. Luxo só!