Evandro Barreto
Uma parte significativa do eleitorado apóia a cruzada de Mme. Marine Le Pen contra a “invasão do território francês” por estrangeiros dispostos a se radicar no país, para disputar o mercado de trabalho com os nacionais, promover a desordem e a violência e ameaçar a cultura tradicional. Sim, diz ela, os estrangeiros são perigosíssimos, especialmente os que vêm da África, do leste europeu e do sul do continente. Mme. Le Pen repete a pregação do pai, que chegou a disputar o segundo turno de uma eleição para a Presidência da República.
Imaginemos que um antepassado da família tivesse chegado ao poder no século XIX, conseguisse por em prática as mesmas idéias e as restrições vigorassem até hoje. Para alívio dos eleitores de dona Marine, a ameaçada cultura francesa teria ficado impermeável à influência nefasta procedente das atrasadas regiões em torno do país.
Começando pelo leste europeu, o primeiro a ser barrado na fronteira, por ordem de chegada, seria o polonês Chopin . O russo Chagall daria meio-volta; romenos, nem pensar – fora com Brancusi, Ionesco e Tzara! Para a família húngara Sarkozy, o mesmo destino. Mas também seria preciso estar atento às hordas vindas dos dois lados do Mediterrâneo. Definitivamente, um retumbante não a gregos como De Chirico, a espanhóis como Picasso e Buñuel, a italianos como Modigliani, Carla Bruni e um certo Ivo Livi, camuflado com o pseudônimo de Yves Montand.
Descendente de franceses, mas nascido na Argélia, Albert Camus veria o ingresso, no mínimo, discutido. E, para a alegria da fervorosa torcida brasileira, o filho de argelinos Zidane não teria tirado a copa da gente e estaria jogando peladas no Sahara até hoje.
Tant pis. A família Le Pen sempre poderia mergulhar na cultura genuinamente francesa, ao som de Johnny Hallyday.
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35 Comentários
Jacqueline
Amei o texto. Porém, se meu país fosse do tamanho de um dedal e o mundo todo quisesse morar nele, também ficaria preocupada. Todas essas personalidades citadas são figuras únicas, não é o caso da massa de imigrantes africanos, coreanos, indianos, romenos, ocupando as ruas e mudando o arrumado e brilhante cenário de filmes de época e as avenidas brilhantes de neon das griffes. Acho que é uma face que incomoda o narcisismo francês. Isso, mais do que qualquer outra ameaça, seja a disputa por emprego ou por direitos sociais. Imagine se eles continuam a chegar e a se estabelecer e reproduzir, qual seria a cara da França daqui a alguns séculos ou mesmo décadas? Sou contra Le Pen ou filha, mas é um assunto para pensar. Ou não?
Dodô
Amigos,
Fico feliz com todos os comentários que meu texto foi capaz de provocar, num dia especial para se refletir sobre valores. Agradeço a receptividade e peço licença para particularizar algumas tréplicas.
Marcello Brito,
O que você começou como comentário acabou por se tornar um brilhante, erudito e abrangente ensaio sobre a condição humana – ética e cobiça, arrogância e sensibilidade, lucidez e miopia, fatos e preconceitos, medo e generosidade, autismo e pertencimento. Obrigado por você nos fazer sentir parte do que vale a pena.
Sil,
Difícil acrescentar algo ao que o Marcello escreveu. Mas você conseguiu. O livro citado dói, sim, mas ensina e dá um saudável sacolejo num passado nem tão distante, mas que muitos acham cômodo esquecer.
Eymard,
Você, como sempre, antenado.
João Cavalcanti,
O contraditório é bem-vindo, por estimular a reflexão. E abre oportunidade para lembrar Voltaire, um gaulês puro-sangue:
“Nao concordo com uma só palavra do que dizeis, mas serei capaz de defender até a morte o vosso direito de dizê-lo”.
Mariana Velasquez
Portugal, França, Inglaterra…. em tempos idos
lotearam a África a “seu bel prazer” Agora chegou
a vez dos africanos “passearem pela Europa, também,
a “seu bel prazer”. É justo, não é?
Eymard
Marcello, se tivesse “curtir”, eu teria clicado! Nada a acrescentar.
Sil, o livro é ótima oportunidade para nao esquecer o passado. Também estou lendo.
Sil
Marcelo Brito, faço minhas suas palavras. Todas, até as vírgulas, incluindo o elogio ao belo post de hoje. Não custa lembrar, mas num argumento diferente do apresentado pelo João, que mesmo a situação de quase 100 anos atrás, quando os citados estrangeiros colaboraram muito para o que de melhor Paris tinha a oferecer, era complicada, com levas de nacionalismo crescendo, xenofobia e antissemitismo. Deu no que deu, né? A França ocupada pouco depois e houve quem apoiasse. Muita gente bacana precisou deixar o país. Aliás, estou lendo um livro bárbaro, que fala um pouco disso tudo: “Paris, a festa continuou”, sobre o colaboracionismo entre 1940-4. Recomendo, embora seja uma leitura um pouco dolorida.
marcello brito
O exercício da democracia nao é facil, mas nao há vida eticamente digna fora dela.
Hoje acho que os franceses precisam olhar para o modo , muito mais dinamico e eficiente que a alemanha e a inglaterra vem resolvendo a questao da imigração sem grandes embates e fraturas sociais.
marcello brito
A politica ultrapassada, infame e abjeta da Sra Le Pen não precisa de cartoons porque ela ja é em si uma grotesca caricatura passadista das praticas eticas nacional-socialistas que remontam ao inicio do seculo passado. Falando claramente, o que Le Pen prega em seu discurso político é uma ação de estrutura claramente facista com recheio de mitos e tipologia nazista. Ela foi esperta o suficiente para abrandar a tipologia anti-semita de seu ideario atual, mas o arcabouço da França imaculada, pura, nacional, voltada para si, ou seja, ariana e sem nódeas de minorias e traços estrangeiros permaneçe como o mais caro dos mitos à La Pen.
Nunca custa também permanecer no seculo passado para lembrar que praticamente todos os grandes países da europa mantiveram colonias no mundo novo e la praticaram todos os tipos de atrocidades que jamais ousariam exercer em solo meridional europeu.
J. Conrad no magnífico Coração nas Trevas nos transporta para o horror dantesco e bíblico das praticas colonias genocidas, psicóticas e depravadas do Rei Leopoldo II no Congo Belga, onde até o canibalismo foi implementado como modo de ação de subjulgo e dominação por uma corte europeia enlouquecida e sem freios éticos externos.
Uma ex colonia é sempre um vinculo que nao se desfaz , lembrando Freud e a relação de dominação do Psicótico sobre o obsessivo.
Quando do fim da segunda guerra mundial e nas decadas seguintes de rara expansão economica, era necessario a mão de obra barata dos países perifericos para a reconstrução do solo e da população europeia arrasada e depois como regulador do crescente mercado consumidor.
Nesse ponto a imigração foi claramente incentivada das ex colonias e dos países do leste europeu.
Nas decadas de apogeu e riqueza pre e pos união europeia, franceses, italianos e outros, foram abandonando progressivamente tipologias de emprego que ja nao se achavam dignos de exercer como motoristas de taxis, faxineiros, camareiras de hotel e etc…vagas no mercado de trabalho que foram sendo ocupadas pelos imigrantes e menos favorecidos, e o incrivel é que mesmo com o desemprego roçando as estrelas franceses, italianos e ate espanhois continuam refratarios a esses tipos de cargo.
Por isso quando Le Pen propoe fechar as fronteiras e repatriar parte dos imigrantes, pergunto sempre se ela combinou com os franceses e se colocará maquinas para arrumar camas de hotel e robos para dirigir taxis.
Quanto a falacia dos impostos pagos por franceses para imigrantes ilegais e com trabalho informal usufruir dos beneficios, lembro que tanto grandes grupos internacionais são os contratadores como franceses em seus negocios familiares também, portanto se existe um mercado informal de trabalho ele nao é exclusivo de ordenação imigrante.
Por fim, grande texto Dodo!!
João Cavalcanti
Visão completamente caricatural das políticas da Marine Le Pen. Pior é colocar a situação completamente fora de contexto comentando sobre personalidades que chegaram numa França de pouco menos de 100 anos atrás, num cenário completamente diferente.
Eu vi os debates e concordo com muito do que ela disse (recomendo que vocês façam o mesmo). Os problemas existem e não tem nada de cruzada implacável contra todos os estrangeiros, mas apenas alguns aspectos que devem ser revistos.
Aparentemente existe um “tabu” ao falar sobre imigração. Imigração só traz coisas boas, nunca problemas. Quer rever a política de imigração, então é mimimi neo-nazista.
Monica SA
É Mme. Le Pen se esquece que os tempos são outros. A aldeia global é hoje. A globalização chegou. Já é tempo de rever seus valores.
Acorda Mme. Le Pen e seus seguidores. Vivemos em uma aldeia global. Já é tempo de rever seus valores.
Monica Amadeo
É isso ai Dodô, estamos todos na mesma nave chamada Terra, e aqui, nada e lugar nenhum é de ninguem, mas sim de TODOS. E viva a diversidade!!!!