Por Roberto Halfin
Paris sempre atraiu pessoas com sua incrível capacidade de gerar histórias e criar personagens. Isto porque as pessoas gostam de estar apaixonadas por um grande amor ou pela cidade. Caminhar por Paris seguindo os passos de ilustres homens e mulheres é uma forma de conhecer a cidade.
O que proponho para você, hoje, é conhecer a história de todas estas paixões vividas em Paris e seguir os passos dos apaixonados. Tomei liberdade de usar como referência, para escrever este artigo, o livro do jornalista e escritor Sérgio Augusto: “E foram todos para Paris”. Ele relata histórias maravilhosas de alguns desses personagens e descreve por onde passaram e viveram. Vou me permitir contar o roteiro que mais me chamou a atenção, o percurso de Hemingway por Paris.
Ernest Hemingway, célebre escritor americano, nasceu em 1899 e suicidou-se em 1961, justamente quando revisava a edição de “Paris é uma festa”, livro em que rememora seu período parisiense entre 1921 e 1926.
Em 1921, recém casado com Elisabeth Hadley Richardson, ele alugou, por U$ 0,75, um apartamento no Hotel d’Angleterre, na 44 rue Jacob. O hotel existe até hoje, mas apenas os dois primeiros pavimentos são originais.
Uma reserva no famoso quarto 14, onde o casal ficou hospedado, ainda é possível. Mas, desde que feita com muita antecedência, pois a procura é grande.
Embora os planos de Hemingway não fosse permanecer em Paris, acabou ficando na cidade e contatou James Joyce, Gertrude Stein e a proprietária da livraria Shakespeare and Co, Sylvia Beach.
Nos primeiros dias, o casal se alimentava no Le Pré aux Clercs, na esquina da Jacob com rue Bonaparte. No natal, eles desceram a Bonaparte, atravessaram o Rio Sena, pela Pont de Arts, e foram almoçar no conhecido Café de la Paix, próximo à ópera Garnier.
Hemingway e seus amigos circulavam muito pelo triângulo formado por dois cafés, o Flore e o Les Deux Magots e uma Brasserie, a Lip, todos na confluência do boulevard Saint-Germain com a rue de Rennes.
A banca de jornal que fica em frente a estes dois cafés aparece em diversos filmes. Que tal comprar uma revista ou o L’Officiel de Spectacles por lá?
Na Brasserie Lipp, Hemingway desgustava o prato cervelas remoulade, salchichão com maionese de picles e mostarda de Dijon, acompanhado por pommes a l’huile, batatas cozidas e temperadas com azeite. Será que ainda tem? Que tal tentarem descobrir?
O Jardin de Luxembourg também foi inspiração de muitos autores e Hemingway não é exceção. Citando o próprio:
“… podia passar pelos jardins e depois ir ao Museé du Luxembourg, onde se encontravam os grandes quadros que, em sua maioria, hoje estão no Louvre ou no Jeu de Pomme (e, nos dias de hoje, no Musée Orsay). Ia lá quase todos os dias, por causa dos Cézannes e para ver os Manets, os Monets e os outros impressionistas que conheci pela primeira vez no Instituto de Arte de Chicago… Quando já não havia luz no Luxembourg, podia voltar pelos jardins e dar um pulo no apartamento onde Gertrude Stein morava ( 27, Rue des Fleurus).”
Isso tudo aconteceu enquanto Hemingway tinha pouco dinheiro. Mais tarde, ele se casou com Pauline Pfeiffer e se mudou para o número 6 rue de Férou, um presente do tio da sua segunda esposa. Também parou de “pendurar as contas” no American Club (33 Rue de Vaugirard), onde desafiou o escritor canadense Morley Callaghan, em 1929, para uma luta de boxe (e perdeu). Apanhou do adversário e do juiz. Quem era o juiz? Simplesmente, Francis Scott Fitzgerald.
Outro lugar que Hemingway deixou sua marca foi o Closerie de Lilas (166 Blvd de Montparnasse), onde escreveu o conto “Big Two-Hearted River” e terminou o primeiro tratamento de “O sol também se levanta”. Sua mesa favorita e sua foto, quando jovem, ainda estão por lá, bem identificadas.
“Quando me aproximei da Closerie des Lilas, os refletores iluminando meu velho amigo – a estátua do Marechal Ney – com sua espada desembainhada, as sombras da árvores batendo no bronze e ele sozinho ali, sem ninguém atrás dele, lembrei-me de seu fiasco em Waterloo e concluí que todas as gerações eram perdidas por alguma coisa, sempre tinham sido e sempre haveriam de ser”
Hemingway também frequentou a região da Sorbonne, quando em 1922, ocupou o terceiro andar de um casarão da 74 rue du Cardinal Lemoine, seu mais conhecido endereço parisiense. No térreo, já houve uma discoteca, uma loja de ervas e chás e uma loja de roupas chamada “Paris é uma festa”, em homenagem ao ilustre morador.
Já nos anos 1950, Hemingway passou no Hotel Ritz, na Place Vendôme (está fechado para reforma até o segundo semestre de 2015) e saiu carregando diversas malas que estavam guardadas, desde 1927. Dentro das malas, estavam todas as anotações que resultaram no livro “Paris é uma festa”.
Creio que o velho Ernest merece um brinde, afinal ele nos acompanha no nosso amor por Paris. Na 28 rue Cambon, fica o Bar Hemingway com uma seleta escolha de maltes e diversas fotografias na parede.
Provavelmente, muitos leitores do Conexão Paris já passaram por todos estes endereços. Minha sugestão é no sentido de que, quando visitarmos esses lugares, vamos tentar vê-los sempre iluminados, mesmo se já tiverem caído no esquecimento. Quem sabe, não seja essa uma forma de encontrar a “geração perdida” ou revivermos a “belle époque”?
Bom passeio!
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21 Comentários
MônicaSA
Quanto sensibilidade!!! Obrigada pelo texto e pelas imagens. Rever Paris é sempre uma festa. Voilà.
ana luiza
Meu primeiro contato com Hemingway foi através de “Casados com Paris”, um livro muito bom, em que você conhece a versão de Hadley Richardson (através da coleta de informações da autora) de seu casamento e ida à Paris com Hemingway. Confesso que fiquei com raiva por ele tê-la deixado e traído. Depois comecei a ler a literatura de Hemingway e me encantei com “O Velho e o Mar”. Em “Paris é uma festa” passei a ver o lado de Hemingway e o sentimento mudou. Vi que Hadley era a pessoa forte e Hemingway o fraco e infeliz (minha impressão). Quando li “E foram todos para Paris” percebi os mesmos locais citados nos livros de Hemingway e quando EU fui na última vez à Paris aproveitei para conhecê-los: o apê da Cardinal Leoine, o Café de Flore, Closerie des Lillas, Les Deux Magots (inclusive a banca), etc. Adorei. Uma certa melancolia. Pobre Hemingway, tão talentoso e tão infeliz.
Renata
Nossa, que delícia de texto e que sonho esse roteiro!! Obrigada Conexão Paris! Obrigada Roberto Halfin! Como diria Hemingway, “Paris é uma festa!”
Teresa Cristina Gomes
Realmente temos que fazer um brinde a Hemingway!!!!!!
Delicioso artigo Roberto, dá vontade de ir à Paris….
Parabens!!!!!Bjos!!!
Madá
Maravilha de texto, Halfin.
Esse circuito me levou a querer pegar carona no Pegeot amarelo do Dodô e esticar até o Closerie de Lilas, “O endereço fixo da festa móvel” (um dos grandes textos do Na Mesa Cabe o Mundo do Dodô).
Evandro Barreto (Dodô)
Muito bom! O roteiro dá vontade de subir no Peugeot amarelo de “Meia-noite em Paris” e percorrer cada metro da festa em movimento. Seguindo as trilhas percorridas por Hemingway, acrescento uma pausa para o café na Place
Contrescarpe e um garimpo de gourmandises nas lojinhas da Rue Mouffetard.
Karina
Adoro passear através dos seus textos, Halfin.
João Paulo Duque
Fantástico o post!! 🙂
Parabéns!
À todos os apaixonados por biografias, como eu o sou, é sem dúvida nenhuma instigante “ver e ouvir” aquilo que fora vivido por alguém interessante!
Coincidentemente, estou terminando o livro “Casados com Paris”, romance, que visto pela ótica de Hadley – primeira esposa – retrata deliciosamente o ambiente da Paris (entre outros locais) da época – esperanças, loucuras, mas sobretudo, a unicidade deste lugar mágico e verdadeiro!
Abraços a todos!
Vera Jordão
É delicioso seguir os passos de pessoas ilustres ou até mesmo desconhecidas, mas que tiveram uma relação com Paris que transcende sua época e nos inspira até hoje. Esse filme em particular é um como espiar através de uma janela as épocas que se sucederam em Paris e visitá-la nos permite entrar em contato com esse “portal mágico” que é essa cidade. Parabéns pelo texto!
Angélica Santos Torres
Que delicia de artigo. Maravilhoso! Parabéns!