Quando vejo, nas ruas de Paris, mulheres vestidas com as burqas sou invadida por um sentimento desagradável e difícil de ser definido. Sinto pena. Para mim, elas são infelizes. A pena se transforma rápido em impaciência diante de mulheres que se submetem a este nível de repressão. Como não posso deixar de levar em consideração dados estatísticos que mostram que 75% das mulheres escondidas debaixo deste véu preto são francesas e que elas se escondem por escolha livre e soberana, a impaciência vira perplexidade. Como uma mulher pode escolher livremente tal segregação social? Afinal chego à conclusão que esta escolha “livre” é o resultado de pressões de maridos religiosos radicais e volto a ficar com penas delas.
Início de janeiro os parlamentares franceses devem votar leis proibindo o uso das burqas. Uma tarefa difícil e inconfortável. Duas questões estão em jogo. A primeira: a interdição deve ser total ou parcial? A segunda : quais os argumentos contra o uso total ou parcial das burqas?
O uso total seria a proibição de sair de casa usando esta roupa. Parcial, a proibição de usá-la nas escolas, nos hospitais, nos serviços públicos. A proibição total é impraticável, visto que o controle é impossível. Mesmo cientes que a lei terá uma aplicação difícil, uma parte dos parlamentares são a favor da proibição total.
Os argumentos a serem discutidos são vários. O primeiro argumento é a própria proibição. Os cidadãos são livres na escolha e na prática de suas religiões. Imediatamente aparece o contra-argumento de que o uso da burqa não é uma exigência religiosa. Trata-se de práticas do Afeganistão impostas por grupos politicamente radicais.
O segundo argumento seria o da segurança pública. Os cidadãos e cidadãs não podem esconder o rosto e fugir aos controles da identidade.
O terceiro se apóia nos códigos sociais. Hoje eles determinam que sejam escondidas certas partes do corpo e que sejam exibidas outras. Talvez daqui a mil anos vamos esconder o rosto e exibir o sexo. Mas, atualmente, os códigos franceses determinam o contrário. Esconder um rosto é uma agressão ao outro pois significa que ele não é digno de vê-lo.
O quarto argumento vem sobretudo dos movimentos feministas e na minha opinião é o mais forte. O uso da burqa é um ataque a dignidade da mulher pois a corta totalmente da vida social.
Após acompanhar os debates na mídia, minha opinião vai, é claro, no sentido da proibição da burqa. Prevalece para mim o argumento que esta roupa é uma forma de exclusão da mulher das relações sociais. Quando leio que os parlamentares irão, provavelmente, negar a nacionalidade francesa às mulheres com véu, concordo plenamente. O uso desta roupa é uma prova da ausência de assimilação dos valores republicanos. A França levou um certo tempo e empregou muito esforço para liberar seus cidadãos do controle clerical. Considerar, hoje, dentro deste espaço social, a mulher como uma propaganda ambulante de uma religião é uma provocação a estas lutas passadas e à laicidade da sociedade francesa.
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67 Comentários
Marcia
DIEGO, lamento demais pela sua falta de gentileza, pela sua total falta de educação e savoir faire. Você, como todos nós, tem o direito inalienável (vide a Constituição do Brasil) de dizer o que pensa e ir e vir para onde quiser. É claro que se você disser alguma coisa muito imbecil e direcionada aos poderosos, com certeza sofrerá alguma penalidade, às claras ou não. Mas PELO AMOR DE DEUS, respeite o direito constitucional de expressão da forma como vc tb deve ser respeitado e seja mais educado, sem grosserias, afinal porquê? prá quê ?? A Lina de forma alguma desrespeitou quem quer que seja. Assino embaixo tudo o que a Erika disse. E pronto.
Françoise Reverdy
É mesmo um assunto complicado. Toca muitos pontos sensíveis. Tudo seria muito diferente não não estivéssemos em tempos de conflito religioso e político. Por isso, de todos os argumentos apresentados por você Lina, fica um, irrefutável: o da segurança pública. Em tempos de conflito, quando a gente quer a paz, a gente se alia aos que querem a paz, a gente faz acordos, a gente tempera.
Se a própria religião pede apenas a obrigatoriedade do uso do veu, por que a burca?
Vá lá saber quem está por detrás daquele pano escuro. Pode até ser um tarado, ou um bi, ou um trans? Ou um terrorista cansado da vida, ou um terrorista apaixonado pela causa? Ou ainda um ser humano desesperado com a indiferença, com a segregação, a humiliação, a opressão judaica. Desesperançado.
Sou pelo véu sim, pelo cricifixo, pelos cabelos enormes, pelos vegetarianos, pelos símbolos religiosos, pelos amuletos, pelo disco preto na cabeça dos judeus ortodoxos em dia santo, embora não use nada disso. São decisões pessoais.
Mas agora, em tempos de guerra, a burca me faz logo lembrar da morte, da dor, do luto. Só isso. A não ser que eu olhasse nos olhos das pessoas´.
É, os olhos: ainda tem essa portinha para a alma feminina.
Eu escancarada, elas (e todas as possibilidades que se escondem no escuro) quase trancadas. Um mistério ambulante. Uma exclusão ambulante. Sim, as burkas chamam a minha atenção, me fazem pensar, mas me fazem também sentir excluída, me amedrontam, me distanciam. A burka me aproxima, mas só com os pensamentos. Só com os pensamentos. Só com os pensamentos.
Rodrigo A
Oi Lina, adorei seu texto e concordo com a lei. Aliás, não precisam proibir a burca, só obrigar quem usa a fazer um buraco para se ver o rosto! 🙂
Sou adepto do: “Em Roma como os romanos, na França como os franceses”.
A lei não é nazista/facista/preconceituosa, pelo contrário – ao invés de segregar procura socializar mulheres muçulmanas isoladas pela burca.
Milena Kubota
O que eu acho importante comentar é que muitas mulheres não usam burqa porque querem e sim por imposição do próprio marido… a proibição da burqa pode causar um problema muito grande de violencia domestica, uma vez que os maridos consideraraõ suas mulheres impuras ou infieis por não usarem burqa…. Leiam o livro Infiel de Ayan Hirsi Ali, que explica bem direitinho essa opressão masculina…
Lucia
Mais uma vez,
Marcello,
voce volta a citar o ovo da serpente e ninguem percebe, ninguem se liga..
Amigos e eu conversamos, trocamos ideias, sobre o fato, (zeitgeist?), em maravilhosos breakfasts na serra.
Amigo e’ expert nao so’ em ovos de serpente…os mexidos trufados e baveuses sao fantasticos.
BIA
Eu nao sou a favor da Burca de forma alguma. Mas gostaria de resaltar dois argumentos que acho injustos. Se voce diz que elas sao propagandas ambulantes da religiao islamica, entao os judeus e os catolicos deveriam ser proibidos tambem de andarem com kippah e crucifixo. O segundo ponto e a questao da pena como sentimento; da mesma forma que voce sente pena delas, elas sentem pena de nós ocidentais que pregamos a liberdade mas na hora de irmos a praia de biquini, muitas mulheres se sentem envergonhadas pelo corpo e se submentem a cirurgias plasticas em busca da escravidao pela perfeicao que a nossa sociedade impõe.
Nós mulheres ocidentais para sermos bem aceitas precisamos ser lindas, magras, bem vestidas, inteligentes, depiladas, de mao feita, cabelo liso, soriso perfeito,e jovem é claro, se não somos descriminadas pelos homens e até pelas proprias mulheres. Voce acha que só pq voce aceita isso tudo no seu dia a dia voce nao esta semdo reprimida???
Acho que cada cultura tem a sua forma de reprimir e recriminar, e o que aceitamos como sendo o normal, muitas vezes é chocante para pessoas de outra cultura.
Hide
Complementando:
me parece que as pessoas tem preconceitos às coisas bastante diferentes e não resistem à tentação de expressar emotivamente.
Proibir o uso da burca… isso é preconceito ou racismo, a França se realmente proibir o uso da burca, estará contradizendo no princípio da Liberdade Igualdade e Fraternidade.
Imaginem, se te proibirem de comer feijão preto na europa, por exemplo.
Combater opressão é mais que legítimo, é obrigação. Mas proibir a burca é tiro de um cego.
Hide
Temos que separar algumas coisas, opressão é uma coisa, outra coisa é vestimenta, adornos, etc.
A opressão é desumano e tem que ser combatido.
Agora, proibir o uso de qualquer vestimenta ou adornos (claro que tem que ter bom senso, andar de calcinha na rua é, normalmente, ofensivo, esconder totalmente o rosto pode facilitar o crime, etc).
Mas proibir o uso da burca que não esconde o rosto totalmente é cassar o direito individual.
Associar sistemáticamente burca à religião ou opressão é doença, pode ter outras razões.
A questão religiosa ? É outro direito do homem.
Marcello Brito
Apenas para terminar:
1- O que se discute aqui são Leis francesas sobre Francesas. Que vc defenda a liberdade nas nações mulçumanas é mais do que lovavel. Mas vamos continuar com ela aqui em terras da igualdade e fraternidade.
2- Respeito seus argumentos mas nao posso deixar de apontar que eles são exatamente iguais aos utilizados pelos nazistas na alemanha para o banimento dos povos judeus. Se vc ler a escalada de leis que foram sendo promulgadas contra os Judeus mesmo antes da ascensão de Hitler ao poder vai se espantar pois elas nao diferem em nada dos argumentos apresentado pelos politicos franceses e avalisados em seu texto.
Primeiro se identifica a pratica cultural de um povo como sendo não republicana, depois se impede a essa povo de utilizar suas vestimentas tradicionais, depois se demole simbolos religiosos….
Essa estoria eu ja vi.
E sabemos como termina.
O Horror…O Horror…
Marcello Brito
Zé Luiz,
Seus Argumentos são fortes mas são generalistas e reduzem toda a sociedade Islã à opressores e terroristas o que não é acima de tudo, verdadeiro e honesto.
O mundo Islã não é uma unica nação, nem um unico modo de vida, nem uma unica religião.
Há matizes profundas entre os povos Médio Orientais assim como no mundo ocidental cristão
Eu poderia dar mil exemplos, mas cito apenas um: Os recentes movimentos sociais no Irã, mostram um povo em compasso com o tempo presente de liberdade, livre arbitrio e querer contemporaneo, exatamente como vimos na frança de 68 liderada por todas aquelas figuras exemplares que amamos adorar.
O governo do Irã ou os Radicais do Iemen ou os tiranos de Cabul ou os fanáticos da Al quaeda não são o espelho dos povos mulçumanos assim como a alemanha nazista não era o mundo Ocidental.
Mas nao preciso retroagir tanto no tempo: O Chile de Pinochet ou a Cuba de Fidel, a Espanha de Franco ou a Venezuela de Chavés não são o mundo ocidental cristão reduzido num micro-cosmos.
O mundo mulçumano de fato nao produziu uma Simone de Beauvoir, um Sartre, ou Camus, um Lacan ou um Foucault.
Mas ele produziu alguem muito mais importante, genial e maior que todas essas figuras estelares que voce citou e que só tem comparação como nomes como Platão, Aristoteles ou Kant
Ele nos deu Averröes que é a figura chave do pensamento entre a idade antiga e o Renascimento.
Zé, vc pode democraticamente abominar a cultura islamica, mas infelizmente vou ter que te informar que voce vive hoje sobre uma cultura ocidental traduzida por um Mouro Islamico genial.
Mas uma vez vou repertir aqui: na alta idade média todo o pensamento ocidental antigo havia sido destruido e varrido da face da terra pelas trevas da idade média.
Mas ele nao havia sido destruido na cultura moura islamica e Platão e Aristoteles e Pitagoras e toda a cultura precedente ocidental eram estudadas, relidas e traduzidas desde sempre pelos mouros.
Quando os Mouros invandem a Espanha, o pensamento genial de Averröes se estabelece em Córdoba e ali ele recebe filosofos e pensadores de toda a Europa que vão em busca desse homem mouro e islamico que detem a chave do pensamento perdido de um Platão ou um Aristoteles.