Diferenças culturais entre franceses e ingleses ou a história do Beaufortgate ocorrida entre um britânico e um queijeiro.
O caso Beaufortgate aconteceu em dezembro 2017, na época do Natal. Incidente “tenso”, entre um jornalista britânico e o proprietário de uma fromagerie, que se transformou em batalha na mídia social envolvendo até o embaixador francês na Suécia.
Fromagerie, foto Ben McPartland
Ben McPartland, editor do excelente The Local France, entrou em uma fromagerie com o projeto de comprar queijos para uma fondue entre amigos. O britânico pediu Beaufort, Comté e Appenzel.
A resposta do fromager foi um não alto e sonoro. Não para o Beaufort, queijo envelhecido, caro, requintado e que não poderia nunca terminar derretido em fondue.
No interior da idéia de que o cliente estrangeiro não é suficientemente informado para degustar os produtos franceses surgiu o Beaufortgate ou a Fonduegate.
Ocasião imperdível para o jornalista inglês de relatar o fato do ponto de vista da divertida e histórica comparação entre cultura inglesa X cultura francesa. Imagine, um britânico querendo derreter o precioso queijo em banal fondue!
Um acordo foi finalmente alcançado: o queijeiro vendeu 200gr do seu Beaufort, com a condição de que ele não fosse usado para a fondue. Para seu jantar, o jornalista comprou um queijo simples e barato.
O britânico twittou sua história com o título provocante: “Fonduegate, porque o cliente nunca tem razão na França”. E o caso passou a ser visto dentro da visão de como os vendedores e, mesmo os garçons, franceses apresentam, às vezes, um ar de superioridade diante de turistas intimidados com tanta cerimônia e tradição.
Os tweets do jornalista provocaram inúmeros comentários. Uns apoiando o coitado do britânico sendo intimidado por um vendedor francês antipático. Outros ficaram do lado do fromager que ama seus produtos e gosta de ver seu trabalho respeitado. Defesa do culinary hooligan X defesa da gastronomia francesa!
Mas quem brilhou nos comentários foi David Cvach, embaixador da França na Suécia: “Eu respeito os dois protagonistas. Enquanto diplomata, é difícil para mim dizer que, às vezes, duas posições não podem ser reconciliadas”.
Fondue by britânico
McPartland seguiu o conselho do fromager. Preparou sua fondue sem o Beaufort e espera de to be able to stay in France…
Beaufort, biscoitos e cerveja.
No dia seguinte, ele pegou o trem Eurostar para passar férias de Natal em Londres. E o famoso queijo? Escondido dentro do carrinho do bebê. Objetivo: pregar a palavra do Beaufort, provavelmente a última oportunidade para parar o Brexit. O queijo não foi degustado à la française!
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7 Comentários
Anderson Pereira
*Hoje já há muito mais livros.
Anderson Pereira
Eu acho que a França acaba tendo um pouco mais de razão. Não foi à toa que, de forma sútil e nas entrelinhas, o escritor e jornalista inglês, Peter Mayle, amante da França e da Provence em especial, concluiu isso em seus livros. Difícil ver um inglês dar razão a um francês, ainda mais na Provence profunda. Gastou 3 livros e anos para isso. Hoje já muito amiga livros. Começou a saga na idílica e minúscula Menèrbes e hoje está na mais turística Lourmarin. Ver um legítimo inglês se render aos costumes franceses de raiz, percorrer cantões em busca da culinária familiar e de terroir, é a prova de que a França criou corretamente a proteção de seus produtos (AOC, DOC, DOP). Isso é defender a cultura e manter as tradições. O francês, dentre todos os demais produtos locais, não vende queijo; vendo O QUEIJO. Vejo isso aqui em Minas Gerais, terra da Lina… não aceitamos que uma massa de polvilho mal feita com um queijo de terceira qualidade seja chamada de pão de queijo. Não aceitamos que nossos protegidos Queijos Canastra (que recentemente desbancou os melhores queijos franceses em um concurso na França), Serro, Salitre ou outros sejam usados em muitas receitas além das que achamos serem as melhores (rsrsrs). Não se pode chamar de Romeu e Julieta uma mistura entre uma goiabada que não seja cascão e feita fora da região de Ponte Nova/Ouro Preto em conjunto com um queijo pasteurizado comprado no supermercado. Não se chama de cachaça o que não é feito por uma tradição familiar e com pouca ou nenhuma industrialização. Não se come e não se chama torresmo, aquilo que é vendido em sacos estufados nos supermercados, sem carne e com aromatizantes. Não pode ser chamado de café e ofertado aos verdadeiros amigos, aquele pó já moído e que vem com restos de outros vegetais e insetos (aceito pela legislação). Por isso há o café gourmet e em microlotes do Campo das Vertentes, da Mogiana Mineira, do Cerrado e outros terroirs (paulistas e baianos também). Os doces de frutas em compota só são compotas se feitos na roça ou nas condições ditadas pelas nossas avós, em tacho de cobre com colher de pau no fogão a lenha. O resto, é conversa, marketing e engodo. Entendo o francês ao vender seu queijo. Eu acho o francês de raiz um grande mineiro e vice-versa. Viva a tradição francesa. Ser o país que mais recebe turistas no mundo e não traduzir suas comidas tradicionais nos bons balcões de Paris/Dijon/Lyon/Menèrbes, é a prova de que um Comté é para comer assim e pronto. Não quer, vá ao Monoprix ou Carrefour e seja feliz com um President embalado à vácuo ou atmosfera modificada. Voilá.
Rodrigo Lavalle
Anderson, uma amiga, obviamente mineira, diz algo parecido sobre o francês de raiz ser um grande mineiro e vice-versa. Ela diz que ser criado em MG nos dá uma bagagem gastronômica que ela não vê em brasileiros de outros estados com os quais ela convive aqui em Paris.
evandro barreto
Amigas e amigos do CP, dentro do tema, que ouso batizar de “comparação cultural entre os dois lados do canal”, sugiro um livro possivelmente difícil de achar, já que foi escrito há mais de 50 anos, mas fundamental para a gente entender, às gargalhadas, o épico e eterno embate franco-britânico. Título da edição francesa: “Les carnets du Major Thompson”. Autor: o francês Pierre Daninos. Ilustrações do britânico Ronald Searle.
Lina
Oi Dodô querido. Anotado. Vou tentar achar este livro.
Dillemba
Apesar de ser uma situação surreal não deixa de ser divertidíssima. De um lado o vendedor negando-se, como diríamos aqui no Brasil, a “tratar burro a pão-de-ló”. De outro, o comprador que tem direito de fazer o que bem entender com a sua compra. Moral da história? Os dois tem razão.
Rodrigo Lavalle
Dillemba, moral da história? Os dois tem razão.