Na lista das diferenças culturais entre Brasil e França, um dos primeiros contrastes é a ausência de cores nas vestimentas dos franceses. Perambule pelas ruas, pegue o metro e verá a predominância de cores neutras e sóbrias. Às vezes, nas férias, quando o sol está quente e a turma feliz, ousamos algumas cores pastéis escolhidas com muita atenção.
Os historiadores apontam a Reforma Protestante como responsável por esta cromofobia. A Igreja Protestante transformou o preto em símbolo de virtude e as cores vivas representantes do pecado e a luxúria. Daí para a frente, homens e mulheres não usaram mais o amarelo ovo, o laranja brilhante, o verde esmeralda, como foi o caso na Antiguidade e Idade Média.
Fascinante o estudo da simbologia das cores. O grande especialista francês nesta área é o historiador Michel Pastoureau. Ele possui três livros que se tornaram fonte para qualquer paper sobre a História das Cores. Neles ele disseca as cores.
Branco : cor universal, antiga e fiel. Cor ambivalente que nos fala da vida, da morte e da inocência perdida. Cor presente nos berços e nos caixões. Símbolo da pureza, da castidade, da higiene para a sociedade ocidental.
Vermelho: cor revolucionária, sedutora, perigosa. Arquétipo de todas as cores. Em várias línguas, vermelho significa colorido. Os antigos viam o branco como incolor, o preto como sujo e o vermelho como cor. Esta visão do vermelho se explica pelas descobertas dos colorantes encontrados na natureza: terras vermelhas e ricas de óxido de ferro para desenhar nas paredes das cavernas. O vermelho é ambivalente. Ele pode representar o diabo e os reis.
Preto, cor, hoje, adorada por estilistas, designers e costureiros. Mas foi-se um tempo onde o preto representava a noite das origens. O preto sempre precedeu a luz e teve uma simbologia dual, sendo matriz e morte. O preto das sedas fúnebres ganhou respeitabilidade com a Reforma Protestante quando passou a representar a austeridade e autoridade. Mas ele pode também ser transgressivo como os lenços que escondem os rostos dos revoltados. Nos tempos atuais o preto é o imperador das festas mundanas.
Azul, cor consensual, real e aristocrática para ser consumida sem moderação. Cor preferida dos cidadãos europeus desde a antiguidade até hoje. Podemos ver o azul nos vitrais das igrejas góticas e nos mantos dos reis franceses. Podemos vê-lo no manto da Virgem Maria. Mas ele é rejeitado na Índia, onde é a cor das casta mais baixa, os intocáveis, na Turquia é a cor do luto. O azul é também a cor das minorias cristãs presentes nas terra onde predomina o Islã.
Verde, cor não violenta, representa, hoje, o politicamente correto em vários campos da sociedade. Mas o verde, no passado, não era esta cor respeitável. Ele já foi violento e excêntrico. Cor facilmente obtida a partir de vegetais. Mas cor quimicamente instável. Ele adere mal, desbota com a luz. Por isso no campo simbólico, o verde representa o que é efêmero, que não dura como a sorte e o jogo, os gramados, a juventude e a esperança. O verde está simbolicamente ligado à falta de maturidade, à vulnerabilidade.
Amarelo, cor ambivalente que pode representar tanto a alegria como a humilhação. Na antiguidade, ele foi venerado na figura do sol e associado à alegria. Mas na Idade Média ele representou o ouro, o dinheiro e em seguida os falsários. E mais tarde, as mulheres adúlteras. Na segunda guerra mundial, o amarelo era a cor das estrelas de cinco pontas que humilhava os judeus. Na iconografia cristã, Judas é representado vestido de amarelo. De acordo com o historiador, o Brasil é um dos responsáveis pela reabilitação do amarelo com os nossos carnavais. Sobretudo o carnaval do Rio com sua explosão de cores amarelas nas fantasias e decorações.
O historiador Michel Pastoureau é especialista em História Medieval e desde 1980 estuda as cores. Ele recebeu em 2010 um prêmio pelo livro: As cores das nossas lembranças – Les Couleurs de nos souvenirs.
Em 2011 ele publicou o belo livro onde tece reflexões sobre as cores e nos revela toda a complexidade do assunto: Les Couleurs.
E publicou também um livro chamado Noir. Histoire d’une couleur, onde revela a história do preto na cultura ocidental.
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15 Comentários
Nick
Não somente na França mas também por aqui pelo nosso país, o “politicamente correto” pede cores sóbrias, sendo permitido apenas algum detalhe ou acessório em tom contrastante. Mas eu simplesmente adoro, quem usa e abusa das cores alegres, misturado com estampas…isso sim é felicidade !!!
Milena F. - Viver Plenamente Paris
Engraçado que os franceses em férias adoram usar cores (muito branco, rosa, vermelho, azul, etc)… Mas aí, desde que pegam o avião para voltar para a França, colocam roupas petras, cinzas e marrom.
O verde não tem uma boa cota por aqui. Antigamente, a cor verde era produzida de uma forma tóxica, nociva, e inclusive Molière morreu no palco, vestido de verde… Desde então, usar verde no teatro é praticamente “proibido”, e muita gente ficou com essa má-impressão dessa cor, sem nem saber de onde vem.
Madá
Ao ler o texto “A cor dos sons” (de A.T. Nguyen, em Jornal La Terrace) me lembrei logo desse post !
Para celebrar os 40 anos do museu Chagall, será realizado um concerto que destaca o tema das cores de Chagall e a homenagem que o pintor fez aos compositores em sua obra de arte no teto da Ópera Garnier.
Azul: le bleu spirituel pour Moussorgski et Mozart,
Verde: le vert de la Nature pour Wagner et Berlioz,
Branco: le blanc de la transparence pour Rameau et Debussy,
Vermelho: le rouge flamboyant pour Ravel et Stravinsky, et
Amarelo: le jaune vif pour Tchaïkovski et Adam
o texto completo em:
http://www.journal-laterrasse.fr/la-couleur-des-sons/
Jane Curiosa
Texto inspirador para uma pesquisa que não terá jamais fim.
Na moda não rola essa simbologia toda,não.E foi Chanel quem decretou a cor preta como a cor da elegância. Decretou e o mundo a adotou, ponto.
Em tempos bicudos é mesmo um às na manga,pois pode durante longos períodos disfarçar vários defeitos,desgastes e até nódoas,etc. e tal.Enfim,tem que ter essa cor como base em qualquer guarda-roupa.
Na escala cromática, a cor preta é a negação de todas as cores,pois absorve a luz,ao contrário do branco que a reflete em sua totalidade.
Eu,que adoro todas as cores e seus desdobramentos,com preferência descarada pelos azuis,-atenção aqui,quase não possuo essa cor no meu armário,principalmente o cobalto,antigamente venenoso,o que abre assunto para uma outra pesquisa, não levo a sério todo esse emaranhado de ‘significância’ das cores. Lindíssimas bem combinadas,se fortes e mal pensadas um horror carnavalesco ao meio dia,mas nessa hora mesmo um preto absoluto em meu país tropical faria até d.Glória,mãe de Bentinho,ter um piripaque,não vejo razões para negar seu uso,a não ser mesmo a quantidade de dinheiro disponível para trocá-las ao menor desbotamento do nosso desejo pelo bom e adequado uso delas. Ah,e o imprescindível bom gosto e sensatez.