Por Evandro Barreto, autor do livro Na Mesa Cabe o Mundo, lançado pela Editora Conexão Paris
Colonia Iulia Paterna Arelatensium Sextanorum.
Para os íntimos do imperador Julio César, Arelate. Para os íntimos do pintor Vincent, simplesmente Arles. Dos romanos, sobrou o anfiteatro, muito mais tarde convertido em arena, antes que as touradas entrassem na mira dos que preferem o touro no espeto e não na espada. De Van Gogh, resta o gênio materializado nos quadros que pintou na cidade e arredores, inclusive o quarto do artista na casa amarela que já não existe.
Numa primavera quente, peguei um trem bem lento e fui até lá, atravessando azuis, dourados, lavandas, todas as cores provençais libertadas das molduras, como um dia se apresentaram aos olhos famintos de um holandês em fuga da bruma. Da estação, deixei que as pernas me levassem aonde quisessem ir. Deixei, também, que referências antigas se atropelassem sem pudor do lugar-comum, enquanto eu andava por ruas e praças onde nunca havia estado — e tão evocadoras. Aquele prosaico carteiro dobrando a esquina bem poderia ser bisneto do facteur Roulin. A feirante loura, de blusa verde e voz possante, como uma Sophia Loren nórdica, fazia da banca de legumes uma palheta: o roxo das beterrabas iniciava o dégradé, seguido dos tomates quase magenta, das cenouras maduras, dos pimentões amarelos, dos nabos brancos com estrias em violeta. Ao lado, o florista parecia a serviço da secretaria de turismo, com suas alfazemas e girassóis.
Entrei em ruelas tortas, segui os caprichos da luz mediterrânea e desemboquei em frente ao anfiteatro. Penso em que edificação do nosso tempo manterá a mesma dignidade daqui a dois mil anos. Nesta região, a história tem a intensidade do sol que a aquece. Legionários, gladiadores, templários, papas de costas para Roma, maquis em luta com as tropas nazistas, gerações sucessivas de criadores e a força das suas obras — da cabra de Picasso à capela de Cocteau, das ervas combinadas em proporções perfeitas por alquimistas anônimos à magia da cozinha de Vergé.
A caminhada abriu o apetite. Escolhi um bistrot com vista para o anfiteatro, mesinhas ao ar livre e um suave perfume de azeite quente. Como mandam os costumes, o marido na cozinha, a madame no salão. Fui saudado por ela com um sorriso e uma notícia entusiasmante: naquela manhã tinham chegado aspargos verdes fresquíssimos. Que viessem, pois. Mas antes, outra homenagem à culinária provençal — uma travessa de moules temperadas com alho e ervas. Terminei eu mesmo o preparo com um fio tênue de azeite Pagnol. Meu caso de amor com os mexilhões começou na infância, a garotada raspando as pedras do final do Leblon e levando orgulhosa o troféu para casa. Mais tarde vieram os mariscos da Catalunha, as moules à la bière de Bruges. E agora este presente das águas da Camargue. As últimas gotas de caldo foram sugadas das cascas com pedacinhos de pão indiferentes às boas maneiras. Um copo do rústico vinho branco da casa completou o primeiro ato.
Segundo ato: chegam os aspargos da anunciação, escoltados por um carré d’agneau, as costelinhas em riste como lanças da guarda pretoriana. Para fazer companhia digna, um Côtes du Rhône já conhecido de velha data. Foram os melhores aspargos verdes do meu currículo.
É útil meditar de barriga cheia. Dizem os especialistas que a dieta das populações mediterrâneas predispõe à longevidade. Mas eu acho que o mérito pela vida longa deve ser atribuído à beatitude que nos envolve depois de um almoço assim.
Esta crônica foi extraída do livro Na Mesa Cabe o Mundo, de Evandro Barreto, à venda na nossa agência online Minha Viagem Paris, clique aqui para comprar o livro.
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32 Comentários
Maria das Graças
Denise Castro, não se iluda. 5 noites na Provence não é nada, nada mesmo. Já estive na região por 15 noites. Sugiro que pesquise e escolha o que lhe interessa e se concentre nisso nos e nos arredores próximos. Ficar indo aqui e acolá não lhe dará a dimensão do que a região tem para oferecer. Voce entrará em uma pequena vila, achará bonitinha, tirará várias fotos e voltará sem ter uma noção do que a vida na região.
Não fui a Marseille e nem a Aix. Por absoluta falta de tempo. Mas na próxima viagem me dedicarei exclusivamente a elas.
Lenna Ranghetti
Essa crônica tem, realmente, as cores e o perfume de Arles, essa cidade encantadora e tão romana, ainda! Após lê-la, fechei os olhos e me vi lá novamente, percorrendo suas ruas estreitas e antigas…
Beth Lima
Denise Castro
Realmente a Juliana tem toda razão, Aix- en- Provence é imperdível.
Pelo seu relato entendi que vocês teriam 5 noites de hospedagem e, por isso, sugeri Avignon. A visita a Aix- en -Provence poderia ser feita no dia seguinte a Marseille, saindo de lá bem cedinho. A cidade é linda e não é tão grande para visita de um dia, dependendo do que vocês priorizem no tempo disponível (centro e parte antiga, museus, igrejas, circuito Paul Cézanne, feira, etc).
Aconselho estudar o roteiro de cada cidade e escolher as atrações em cada uma (procurem no site das cidades). As possibilidades são muitas e dependem do tempo e dos interesses de cada um.
Nossa viagem foi de meados de maio a início de junho do ano passado. Mesmo com um tempo maior, fiz um roteiro fixo e outro paralelo, caso desse tempo. No final, conseguimos fazer o roteiro completo e um pouco mais, sem correria.
Que a estadia na Provence seja inesquecível!
Beijos!
Juliana
Olá Denise Castro
Sei que sua pergunta foi para Beth e me intrometendo um pouquinho, me desculpe, posso te dar algumas dicas: acho aix en provence imperdível e arredores portanto, se hospedar lá seria uma ótima opção. Se vc quer conhecer a côte d’ azur aconselho se hospedar em Nice ao invés de marseille (estive em outubro passado e a cidade está muito suja e “violenta” para padrões europeus é claro). Por Nice vc consegue conhecer marseille, Cassis e arredores também. Espero ter te ajudado e ótima viagem ! Bjs Jú.
Beth Lima
Denise Castro
Ao visitar as cidades, sempre íamos ao posto de atendimento ao turista (office de tourisme) para pegar um mapa da cidade com a localização dos pontos turísticos, banheiros públicos, restaurantes, feiras, etc.
Espero ter ajudado na sua programação. No que for possível, estou à disposição.
Beijos!
Beth Lima
Denise Castro
Acho que final de abril é melhor porque a temperatura estará mais agradável. Quanto à cidade, acho que Aix- en- Provence é uma boa opção. Também poderiam ficar em Avignon, que é mais próxima das cidades que vocês querem visitar (se puderem consultem um mapa da região) e, nesse caso, ainda poderiam conhecer essa cidade. De qualquer forma, tudo fica pertinho e as cidades são pequenas, fáceis de visitar. Vocês podem até visitar mais de uma cidade num só dia. Quando forem à Gordes, que é linda, podem dar um pulo até a Abbaye de Sénanque, que fica logo adiante (tem uma placa indicando, antes da entrade de Gordes). Nessa época o campo de lavandas da Abbaye ainda não está florido mas é uma visita rápida.
Nesse período as cidades ainda não estão lotadas de turistas e o passeio é mais tranquilo.
Aproveitem muito pois a Provence é um sonho…!
Um grande abraço.
Madá
Maria Helena Ribeiro, no canto superior da direita, na página principal do CP, vc clica no link comprar e vc será direcionada para a página de publicações do Conexão Paris e lá vc acha o livro do Dodô.
Madá
Adorei a palheta de cores… tomates quase magenta! O sabor que só o mediterrâneo e o Dodô proporcionam.
Maria Helena Ribeiro
Oi galera do Conexão Paris Parabens pelo Blog!
sou leitora assídua das publicações e Dicas da equipe do CP. Fiquei interessada nesse livro citado nessa crônica, ele já foi lançado no Brasil? Aguardo uma resposta, abraço e mais uma vez Parabens p o CP !
Lina
Maria Helena
Você compra o livro do Evandro no link abaixo:
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Cristina
Cheguei a pouco da Provence, onde me deliciei com a maravilhosa paisagem e delicosa gastronomia da região. Com essa crônica fui envolvida pelas lembranças da feirinha de Nice, seus temperos aromáticos que tem feito sucesso em meus pratos.
Encantadoras também foram as abobrinhas em flor, uma das delícias da culinária francesa.
Vou entrar na lojinha da Conexão Paris e adquirir o livro.