Por Evandro Barreto
No Fouquet’s come-se bem, bebe-se bem e paga-se caro. O mesmo pode ser dito de várias griffes gastronômicas parisienses, só que nenhuma outra tem uma varanda onde acontece tanta coisa. Em épocas diferentes, esbarrei ali com personalidades tão diversas quanto o príncipe Ali Khan e a modelo Bettina, o chanceler alemão Helmut Khöl, a “Bond-girl” Claudine Auger e mafiosos de muitas procedências. Mas a personalidade para mim mais fascinante que entrou por aquela porta nunca mereceu atenção da mídia.
Raul virou fotógrafo para sobreviver em Paris. Peruano e herdeiro de uma frota pesqueira, viveu os primeiros vinte anos de frente para a imensidão do Pacífico, com a sensação de que estava de costas para a vida. Enquanto isso, a família tinha um plano para ele: estudar administração nos Estados Unidos. Conseguiu convencer o pai de que a melhor escola de administração para latinos não era Harvard, mas o Insead. Foi assim que chegou a Paris, mas jamais pisou em Fontainebleau.
Enquanto pôde, enrolou. Entre uma sessão e outra dos cinemas de arte, escrevia cartas sobre progressos em marketing e planilhas de custos. Enturmou-se com a geração “Cahiers du Cinema” e começou a estudar fotografia. Até que chegaram as férias, quando ele deveria voltar a Lima para rever a família. Escreveu uma carta abrindo o jogo e avisando que não ia sair de Paris de jeito nenhum.
A mesada farta parou de chegar ao banco. Enquanto duraram as reservas, Raul foi tomando providências. Mudou-se para um hotel meia-estrela no Quartier Latin, passou a fotografar batizados e a circular por “cafés étnicos” para aprender estratégias de sobrevivência com gente mais dura do que ele. Graças à cara-de-pau que Deus lhe deu e ao guarda-roupa que sobrou do tempo de vacas obesas, conseguia muitas vezes economizar o valor do jantar, freqüentando recepções do corpo diplomático, coquetéis de empresas, enfim, qualquer evento onde pudesse comer e beber de graça.
Logo no início da carreira de novo-pobre, passou cinco dias a baguettes. O que o manteve de pé foi a dourada expectativa da quinta-feira. Jantar de gala na embaixada de um emirado – e ele havia conseguido convite. A combinação do dinheiro do petróleo com a hospitalidade árabe prometia o paraíso.
Chegou pontualmente, quase um príncipe, no irretocável “smoking”inglês. Congelou de choque. A embaixada estava às escuras e um gendarme barrava o acesso. Horas antes, um atentado a milhares de quilômetros mandara literalmente para o espaço a corte inteira, o emir à frente. E agora explodia outra bomba, desta vez num estômago vazio em Paris.
Raul saiu andando cabisbaixo pela Avenue des Champs- Élysées, sentindo que ia morrer de inanição. Diante da porta do “Fouquet’s’”, o instinto de sobrevivência falou mais alto. Entrou a passos decididos, afastou o mâitre com um gesto imperial e foi direto à mesa de hors d’oeuvres. Com aquele olhar de fotógrafo, que percebe o essencial em frações de segundo, localizou um imenso presunto de Parma, colocou a peça inteira debaixo do braço e saiu triunfante. Antes que os funcionários decidissem se aquele senhor tão bem-vestido era um milionário excêntrico ou um ladrão, ele já havia atravessado de volta a varanda e misturara-se aos transeuntes, peito estufado e queixo empinado, como um general de Napoleão.
Fouquet’s – 99 avenue Champs Elysées 75008 Paris.
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22 Comentários
Maria Helena Ranghetti(Lenna)
Corrigindo: qualquer um!
Maria Helena Ranghetti(Lenna)
É, Dodô! Quando o assunto é sobrevivência qualquer perde o “aplomb”, mesmo de smoking no Fouquet’s!!!
Nilza Freire
Dodo, você eh um contador de historias como ninguém, seu estilo mordaz eh invejável, continue sempre assim!
Madá
Dodô, fico imagindo se essa varanda falasse… Adorei o Pacífico e a sensação de que estava de costas para a vida. Bravô!
Maria das Graças
Dodô, e parece que teremos o Le Fouquet’s ainda por muito tempo. Havia uma pendenga jurídica pela posse do imóvel que foi resolvida no dia 02 de maio último, dando a propriedade ao Restaurants du Café de Paris e não a uma aposentada e seus irmãos da borgonha. http://www.francetv.fr/info/le-fouquet-s-ne-reviendra-pas-a-une-retraitee-bourguignonne_95583.html
Denise C.
Adorei esta historia…
Para uma segunda -f. não poderia ter sido melhor. Muito divertida. Me acordou…
Obrigado Dodô por mais esta.
Boa semana.
De
jorge fortunato
Muito boa! No mundo é assim, a cara-de -pau nos salva e nos livra da fome. Eu que o diga! Em 2005, bebi muito champagne por conta de vernissages na Embaixada do Brasil em Paris. E lá descobri, tal como acontece aqui, uma turma bem vestida, que costuma jantar nesses eventos…
Tania Baião
Delícia de história, como sempre Dodô!
Você me fez lembrar de uma grande amiga, depois esposa de diplomata brasileiro, que foi à Paris com uma bolsa para estudar francês. Gastava todo a “mesada” no Carita ( http://www.carita.fr/)e depois comia de graça nas recepções da embaixada brasileira em em vernissages…
Suely
História bem divertida essa, gostei das” vacas obesas”…
Adriana Pessoa
Mas que história!!
Minha segunda feira até se animou com essa crônica incrível by Dodô!
Bjs e boa semana a todos.