A história do meu apartamento em Paris faz parte da história de Paris dos dois últimos séculos.

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Desde sua criação o tema é polêmico. As chambres de bonne apareceram no final do século 19, durante a famosa reforma de Paris dirigida pelo Barão Haussmann. Nos bairros das elites – 6ème, 7ème, 8ème e 16ème arrondissements – os novos prédios passam a ter, no sexto e último andar, quartos para os empregados domésticos. Na realidade cubículos entre 7 e 12 m² sem água e aquecimento. O acesso ao “sexto”, como ficou conhecido, era feito por uma estreita escada de serviço. As condições de vida eram difíceis e foram relatadas em várias teses acadêmicas. Situados logo abaixo do teto de zinco, os cubículos eram gelados no inverno, quentes demais no verão. Para completar o desconforto, uma única torneira no final do corredor e um único banheiro para todos.

Durante os séculos 19 e 20, aí moraram as bonnes à tout faire – que podemos traduzir por funcionárias multi-tarefas – sobretudo espanholas e portuguesas. Com a mudança do mercado do trabalho e das mentalidades, os quartos foram, aos poucos, sendo ocupados por outras categorias sociais. Estudantes vindos do interior da França e jovens no início da vida profissional.

No final do século 20 e início do 21 as condições de vida do “sexto” se tornaram assunto discutido na mídia. O Estado entrou em ação e enquadrou a comercialização destas minúsculas moradias. Elas só poderiam ser alugadas se tivessem um número mínimo de metros quadrados, aquecimento, água canalizada e, se possível, banheiro.

A última etapa da história das chambres de bonnes é a gradual transformação de vários destes cubículos em apartamentos com pé direito alto e vista maravilhosa. No caso destes apartamentos, o acesso ao “sexto” é modificado e passa a integrar o corpo do prédio saindo da “área de serviço”. Isto necessita grandes reformas e acontece quando o prédio todo pertence à uma única pessoa ou empresa. Assim fica fácil eliminar a escada de serviço e integrar o “sexto”.

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Cada janela no teto e nas fachadas representa uma chambre de bonne

 


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O meu apartamento

Aqui entra minha história. Há 18 anos atrás, li um anúncio no jornal Le Figaro dizendo: área atípica à venda. Tudo que é atípico me atrai. Acompanhada pela agência imobiliária subi 6 andares de uma escada em caracol tão estreita que subir e descer ao mesmo tempo não era possível.

Desembarquei em um corredor sinistro cheio de portinhas abrindo para cubículos. Dentro de cada cubículo um funil no teto deixava entrar a luz por minúsculas janelas. Pedi a agência para ver o que tinha após os tetos de gesso baixíssimos de cada cubículo. Imediatamente um dos tetos foi quebrado e descobri um tesouro. Um pé direito lindo em forma de V invertido e com estruturas metálicas do século 19.

Liguei para meu querido francês de marido e disse: compre! Mas coragem, vamos quebrar tudo! A foto acima mostra detalhe de algumas das janelas do teto do apartamento após reformas.

Cada uma delas e cada uma das janelas da fachada representa uma chambre de bonne.

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Janelinhas da fachada

 

 


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A idéia do artigo

A idéia do artigo surgiu quando, ontem, tirei fotos de jovens fazendo piquenique no teto do prédio vizinho. Imediatamente pensei na história das chambres de bonne. As do prédio vizinho existem ainda.

Piquenique nos telhados de Paris

Da minha janela, imaginei que fossem estudantes. Um deles mora em uma das chambres de bonne. O dia estava lindo. Ele convidou amigos. Ela trouxe pizza, o amigo cervejas. Puseram uma cadeira em cima da mesa e assim alcançaram e saíram pela janelinha do teto. Ficaram horas tomando sol e refazendo o mundo.

Piquenique nos telhados de Paris

De todas as maneiras, a vida é bela nos telhados de Paris.

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