O mundo nos parece mais interessante e divertido quando o interpretamos através de lendas e sinais que nos revelam os bastidores ou o futuro. Conheça duas superstições francesas.
Cena do meu primeiro jantar na casa de franceses. Entre insegurança e curiosidade, enfrentei a situação. Meu francês era acadêmico, quer dizer, lia sem problemas a literatura especializada em ciências sociais, história, sociologia, economia, ciências políticas, sem a capacidade de me colocar ou de me defender na língua coloquial.
Foi neste universo de trocas estreito que percebi a primeira superstição francesa. Após ter articulado alguns bonsoir, merci, très contente… ousei pedir o sal – le sel s’il vous plaît – ao homem sentado à minha direita. Com a mão suspensa, esperei o saleiro que não me foi entregue. Ele foi colocado à mesa, suficientemente perto para que eu pudesse alcançá-lo e à uma certa distância para evitar toda transmissão direta. A mão suspensa e o momento de hesitação revelaram ao companheiro de mesa meu desconhecimento deste detalhe da cultura popular francesa.
Entre as superstições e crenças universais, me parece que a proibição de passar o saleiro de mão a mão nunca fez parte do quotidiano brasileiro. A explicação histórica poderia ter tido sua origem no custo elevado, na antiguidade, deste precioso produto. Essencial à vida humana e animal, o sal era sagrado e tratado com cuidados especiais. Seu transporte e armazenamento era controlado e codificado. Colocar o saleiro sobre uma mesa estável diminuiria os riscos de deixá-lo cair ou de derramá-lo.
Alguns anos mais tarde, no interior da França, o proprietário de um pequeno albergue me explicou mais uma lenda. O pão – presente na mesa desde do café da manhã até o jantar – nunca pode ser colocado ao inverso. Todo pão possui um lado plano, uma base. Pôr o pão na mesa com a base plana para cima nos colocaria imediatamente na lista de espera de desgraças e aborrecimentos. Eu tinha pego, sem prestar atenção, uma fatia de pain de campanhe na cestinha de pães do café da manhã e colocado em cima da mesa com o lado plano para cima. Pronto, o mal já estava feito. Fui alertada apenas para não provocar mais o destino.
A explicação talvez esteja no fato de que os padeiros, antigamente, separavam o pão destinado ao carrasco o virando para cima. O pão “virado” ficou para sempre associado à maldição.
O mundo nos parece mais interessante e divertido quando o interpretamos através de lendas e sinais que nos revelam os bastidores ou o futuro. Como é bom acreditar que um vasinho de espada de São Jorge colocada na entrada da casa nos colocará em situação de proteção e segurança.
Pena que tenhamos entrado na era do desencantamento.
Bibliografia:
. Le Livre des Superstitions, Eloise Mozzani.
. Légendes et Mystères des Régions de France, Eloise Mozzani.
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10 Comentários
Márcia Carvalho de Souza
Incrível como, mesmo em países ditos super desenvolvidos, existam superstições e que as pessoas, ditas cultas, acreditem nelas! É maravilhoso ver o poder que tem uma crendice!!
Riany
Amei! Super interessante! 🙂
MônicaSA
Rodrigo Lavalle,
Obrigada pela informação. Você sempre atencioso.
Merci
Isabela Almeida
Amo os posts sobre cultura e hábitos! Sempre são interessantes!
Camila Loureiro
No Pará temos a superstição de que não se deve passar a pimenta de mão em mão, pois as duas pessoas (quem dá e quem recebe) brigariam caso isso ocorresse. 🙂
MônicaSA
Quer dizer que a parte trabalhada do pão deve ficar virada para baixo? Dommage
Rodrigo Lavalle
Mônica, na verdade é o contrário. A base – a parte plana do pão – deve ficar para baixo, apoiada na mesa.
Madá
Também adoro esse tipo de post sobre a cultura da França. Eu desconhecia as duas superstições, mas aqui conheci uma de sal parecida que diz que não se pode pedir, emprestar ou dar sal a alguém. A saída é cobrar um valor simbólico do vizinho que pede sal rsrs. No entanto, passar o sal à mesa é bem comum no meu convívio por aqui.
Marcos D Almeida
Estou contigo! Sempre é bom nos relacionarmos com a vida também por meio desses signos inexplicáveis. Razão demais cansa…
Cristiane Pereira
Adoro esse tipo de de post – sobre a cultura e os hábitos cotidianos! Mas, Lina, essa superstição do sal também existe por aqui e é bem forte. Eu, desde jovem, não passo o saleiro pra mão de ninguém, nem aceito. Sei que não foi em casa que aprendi isso – um dia passei pela mesma situação que você, e incorporei. Não me considero muito supersticiosa não, mas evito passar debaixo de escadas, pronunciar a palavra que é o contrário de sorte, sair da casa de alguém pela porta diferente da que entrei (e fazer o mesmo com quem que vem à minha casa). Acho que são só essas, rsrsrs! Adorei a do pão!