Às margens do Sena

Às margens do Sena

Por Roberto Halfin

São das atitudes que nascem as amizades.

Estou lendo “As margens do Sena” sobre a vida e a trajetória profissional do jornalista Reali Jr.

Convivi e sou próximo da família Reali, uma amizade herdada de meus pais. E fiz questão de preservar.

Lembro-me que, quando viajava a Paris com meus pais, sempre constava no roteiro uma visita aos Reali. E eu ficava feliz com essa perspectiva. Muito feliz.
Meu irmão Jorge (falecido em 1988) e eu gostávamos deles e na época não sabíamos bem a razão. Afinal, era uma visita de adultos, com conversa de adultos e mal éramos adolescentes.

Hoje, consigo detectar a razão de uma forma bem clara. O Reali e a Amélia não conversavam só com os meus pais. Eles conversavam com a gente também. Nessa época, o Reali já era o grande correspondente em Paris e sempre que íamos lá, tanto ele como sua esposa buscavam um assunto específico com as “crianças”.

E mais do que o assunto, era a atenção. O carinho. Certa vez, meus pais combinaram com eles um programa noturno, em que não poderíamos ir em função da idade. Mais do que depressa, a Amelinha disse: “Não, os meninos estão em Paris e não é justo que eles tenham que ficar no hotel. Vamos a um lugar em que eles também possam estar conosco”.

Desde esta época até hoje, continuei frequentando Paris e os Reali. Sempre fui o Roberto para eles e não o filho de alguém. Os Reali se interessavam por meus pais, mas o foco era ouvir com atenção o que eu andava fazendo, como estava encaminhando a minha vida. Através deles tive a oportunidade de conhecer jornalistas e seres humanos especiais como o Claudio e a Radhá Abramo, o Milton Blay (que foi meu padrinho de casamento à distância), o Mário Alberto de Almeida, a Rosa Freire, a Stella de Barros e a Any Bourrier.
Em Paris, me hospedei algumas vezes na casa da Dina e do Raymond D ́Orfany- que me ensinnaram a gostar de ópera e música erudita – amigos dos Reali.
Os D ́Orfany, eu já conhecia porque os dois já haviam trabalhado com meu pai e eram amigos de muitos anos.

O Raymond contava uma história que eu adorava. Ele estava de plantão, ainda quando morava em São Paulo, na época em que a Air France deveria levar o avião Caravelle ao Brasil pela primeira vez.
Uma senhora ligou no meio da madrugada ao Raymond perguntando se ele poderia pedir ao comandante para que ele sobrevoasse a casa dela. E assim, a cada meia hora, mesmo com o pobre plantonista tentando explicar o quanto seria impossível atender o pedido, a velha senhora insistia com seu sonho. Não aguentando mais, depois da quinta ligação, Raymond mudou a estratégia, resolveu mentir e informou a digníssima que “já havia solicitado” para que a rota do vôo fosse alterada e o pedido atendido. Afinal, no dia seguinte, seu plantão já teria terminado e o assunto estaria resolvido. Mas, para sua surpresa, o telefone voltou a tocar poucas horas depois. A coincidência fez com que o avião, de fato, sobrevoasse a residência da senhora e ela estava “agradecendo” a gentileza.

Essa história foi contada diversas vezes. E eu sempre me divertia como se fosse a primeira.

Quando o Raymond partiu, foi o Reali quem me deu a noticia. E, neste final de ano, fui eu quem deu a noticia para a Amélia que meu pai havia partido.

Lendo o livro do Reali me dei conta de como essa atenção que sempre recebi foi a chave para esta e muitas outras amizades. E Paris tem também este significado para mim: me sinto acolhido  pelos amigos. Muitos me perguntam porque viajo sozinho. Porque nunca estou sozinho.

A amizade não se cria a partir de grandes gestos. A amizade nasce da atenção, da percepção que o próximo existe. A amizade está ligada à pequenos gestos que, ao longo da vida, nos mostram o quanto somos ou fomos importantes para alguém.

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