História dos cafés de Paris. Quando foram criados? Como surgiram? Quais os mais antigos?
Artigo escrito pela historiadora Natália Bravo
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Paris e seus cafés
“Diante da xícara de café, tagarela-se; ‘a conversação acompanha obrigatoriamente o café ou o chá, ela é quase a sua verdadeira razão de ser.’ O café, mal acabara de nascer, já era um café literário.”
Paris, e seus incontáveis cafés. Todo o parisiense, seja ele de nascimento, de adoção, ou mesmo de coração, conhece e reconhece Paris a partir dos seus cafés.
O (estabelecimento) café é aquele companheiro fiel, de todo o dia, a quem a gente recorre sempre que pode. Na alegria e na tristeza. Sozinho ou acompanhado. Nas manhãs corridas de antes do trabalho e nos fins de tarde depois de um dia cansativo, pra ver a vida passar. De preferência com uma taça de vinho na mão.
Os primeiros cafés de Paris
Os primeiros cafés de Paris datam de meados do século XVII.
Desde o momento em que surgiram, eles gozaram de enorme popularidade entre os privilegiados a quem era permitido frequentá-los: nos cafés, alguns elementos mais nobres da sociedade da época se reúnem para discutir, conversar e conspirar, entre um gole e outro daquela bebida, à época tão valiosa, de prometidos efeitos estimulantes.
“Outros sim, desde o início, é um café político”. A afirmação é do antropólogo Jules Leclant, autor do texto “O café e os cafés em Paris.” Segundo ele, rumores de que à mesa dos recém-inaugurados cafés faziam-se críticas ao governo teriam chegado aos ouvidos do rei Luís XIV, que indagara a um de seus conselheiros se não seria conveniente “impedir seu funcionamento para o futuro.”.
Teria sido possível ao rei prever a relação entre o desgaste do absolutismo, que chegaria ao auge durante a sua regência, e a circulação de ideias políticas e filosóficas em cafés como o Procope, cem anos mais tarde?
O olhar em retrospectiva para a história poderia nos levar a crer que sim: Luís XIV, em meados de 1680, seria então uma espécie de visionário: adivinhara e temera, com um século de antecedência, o papel dos cafés na divulgação dos princípios e dos valores que contribuiriam para a derrubada da monarquia na França.
Mas a história não é tão simples, nem tão fantástica e previsível como algumas narrativas a fazem parecer.
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A importância dos cafés na divulgação das ideias
Luís XIV não proibira o funcionamento dos cafés, e o passar dos séculos os transformaria num dos cenários mais característicos da paisagem parisiense.
Frequentado de início apenas por grandes pensadores, ilustrados, artistas e personalidades da época, a inauguração dos primeiros cafés na Paris do Antigo Regime já revela, no entanto, alguns elementos de uma sociedade em transformação.
Ao contrário dos salões literários, onde os integrantes da mais alta nobreza recebiam, nos ambientes luxuosos de sua propriedade, apenas uns poucos escolhidos entre as mais distintas famílias da aristocracia parisiense, nos cafés, o intercâmbio político, literário e cultural podia acontecer entre um público mais diversificado, num espaço público, o que possibilitava a crítica ao rei e à própria nobreza, enquanto no espaço privado dos salões literários a crítica era sacrificada em benefício da pura e simples adulação ao rei e a seus favoritos.
Daí a importância dos cafés na divulgação das ideias subversivas e revolucionárias que abalaram as estruturas da monarquia na França. Interessante, não é?
Nesse sentido, os cafés de Paris são produto e, ao mesmo tempo, testemunhas das grandes transformações pelas quais as sociedades europeias passaram.
É possível contar e compreender melhor a história da cidade, e mesmo do país, a partir da observação do movimento em seus cafés ao longo do tempo. A história social e das ideias francesas também passa pelos seus cafés.
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No século XIX
Na França de meados da década de 1850, muita coisa já havia mudado em relação ao tempo do absolutismo monárquico.
Em pouco mais de cinco décadas os franceses testemunharam a Revolução Francesa, a ascensão e a queda de Napoleão Bonaparte, a restauração do absolutismo com Luís XVIII, a Revolução de 1830 e a crise do governo de Luís Felipe, o rei burguês, em meio ao surgimento de movimentos sociais como o dos operários e o das sufragistas.
Nesse mundo em transformação, já se podia observar um declínio dos valores aristocráticos, que deram sustentação ao Antigo Regime, e a sua substituição gradual por um novo conjunto de ideias, características do grupo que chegava ao poder: a burguesia.
É nesse contexto que a presença em lugares prestigiosos como os cafés vai se tornando, lentamente, mais diversa. À medida em que a sociedade ia se transformando, a frequência dos e nos cafés também ia sendo modificada.
Passam a ser admitidos ali os cavalheiros de ascendência menos nobre, assim como algumas pouquíssimas mulheres, observadas pelo público masculino com um misto de choque, curiosidade e descrença, como é possível depreender da tela de Ernest Ange Duez (1843-1986) ambientada no LeDoyen, restaurante tradicionalíssimo que funciona até hoje no 8º arrondissement e ostenta as três desejadas estrelas do guia Michelin.
Na virada do século XIX para o XX a cidade de Paris já colecionava algumas centenas de cafés, espalhados pelos quartiers mais populares do momento: entre eles, o Le Guerbois, o Le Dôme, o Closerie des Lilas, o Café de la Paix, além dos hoje famosíssimos Les Deux Magots e Café Flore.
De acordo com o jornalista francês Michel Bradeau, foi nesse período que “A vida intelectual desceu do morro de Montmartre, atravessou o Sena e se instalou na “Rive gauche”, a ribanceira esquerda, e primeiro em Montparnasse.”
A cidade, modernizada pelas reformas haussmanianas e vivendo o auge do período de euforia conhecido como Belle Epoque, acolhia um número cada vez maior de imigrantes e de artistas de todos os matizes, atraídos pela aura inspiradora da cidade luz.
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No século XX
Ao longo do século XX, muito se discutiu, se produziu e se testemunhou à mesa dos cafés parisienses: artistas, intelectuais, escritores, mecenas, homens de destaque e pessoas comuns ali compartilharam com angustia as notícias da 1ª Guerra Mundial, as agruras dos anos de 1920 e o aumento das tensões e rivalidades dos anos de 1930, marcados pela ascensão dos fascismos e pela iminência de uma nova guerra.
No Flore, Simone de Beauvoir e Sartre debatiam intensamente, e dividiam entre si as suas hipóteses sobre o porvir: aos relatos e opiniões mais pessimistas, Beauvoir contrapunha uma crença quase inabalável na capacidade de os países europeus solucionarem a crise no continente, cada vez mais escancarada pela política militarista de Hitler. A invasão da Polônia pelos alemães, poucos anos depois, seria o marco final daquele período de crise e incertezas conhecido como o entre guerras. Novamente, era a guerra.
E foi assim que, ao longo dos séculos, o café foi sendo convertido em verdadeiro personagem da história francesa: mais do que um lugar de memória, de convívio e de socialização, o café foi testemunha de um processo histórico diversificado, cujas complexidade e riqueza ainda nos apaixonam.
Nos cafés viveu-se, escreveu-se e ainda se escreve a História, e todos nós, que os frequentamos, somos seus protagonistas anônimos, ao lado dos tantos grandes vultos do passado que despertam, além de admiração, a nossa vontade voltar a eles. Sempre. Uma vez mais.
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Sobre a Natália
Natália é historiadora e carioca. Após concluir o curso de mestrado e trabalhar por anos com ensino de História, fez as malas e partiu rumo à concretização de um sonho antigo: continuar os estudos em Paris.
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21 Comentários
Mhiguel -horta
Estou remontando uma peça teatral que narra a vida de Charles Pierre Baudelaire. Posteriormente filme. e estou pesquisando sobre os cafés de Montmartre por volta de 1850. Saberia me dar alguma informação sobre?
Rodrigo Lavalle
Mhiguel, entre em contato com a historiado Natália Bravo, autora do artigo acima no email [email protected]