As diferenças culturais entre Brasil e França vão desde sutis nuances até verdadeiros choques culturais.
Sem certo ou errado, cada sociedade desenvolveu suas regras de conduta, comportamento e etiqueta de acordo com seu passado, temperamento, influências e, até mesmo, seu clima.
Dependendo da pessoa e da situação, essas diferenças podem ser vividas (1) como uma “atração turística” a mais (uma curiosidade de viagem a ser contada para os amigos e familiares); (2) como uma barreira que nos trava ou, mais importante, (3) como um aprendizado que nos faz descobrir que há muitos jeitos de viver.
Abaixo falamos sobre algumas dessas diferenças que, para nós, foram/são as mais marcantes:
Bom dia obrigatório
Até hoje, mais de trinta anos passados neste país, acho que o sorriso é um bom começo. Sorrio para o funcionário e pergunto uma informação. Recebo de volta somente um seco “bonjour”. Mais uma vez me esqueci que o “bom dia” é introdução obrigatória não importa a circunstância: diante da atendente, da enfermeira, do chofer, do jornaleiro, do guarda, do padeiro, do médico, de todo mundo. No encontro entre amigos íntimos podemos substituir o bonjour obrigatório por um coucou ou salut. Sinto falta da espontaneidade brasileira, do sorriso que abre portas, de pequenos gestos que falam muito.
Relação pais e filhos
Tive tempo de sobra para comparar os dois modos de educação, brasileiro e francês. Nós brasileiros somos mais amorosos, mais corporais, mais beijoqueiros. No Brasil, mesmo fora do meio familiar, nas escolas maternais por exemplo, os educadores podem colocar a criança no colo e fazer um pequeno carinho em momentos difíceis. Na França, e em outros países europeus, o contato físico é enquadrado. Aqui em Paris, observando a ausência de gestos carinhosos, uma mãe brasileira pediu ao psicólogo da escola para pegar sua pequena no colo quando ela chorasse. Ele ficou constrangido, pois não tinha o direito de tocar nos alunos. Este enquadramento é resultado de políticas de prevenção da pedofilia. Que por sua vez resulta de denúncias e movimentos sociais. Daí a importância da discussão até onde o estado pode legislar a vida dos cidadãos.
Amizades
Durante um jantar, de repente o clima fica pesado entre dois convidados, amigos de longa data. Surpresa, interpreto a cena como o final da amizade. Alguns dias mais tarde revejo as mesmas pessoas sorridentes e amigos de sempre. Correção: assisti uma discussão tônica e estimulante do ponto de vista intelectual. Aprecio viver no interior de uma cultura que permite a divergência de opinião. Aprecio mais ainda conviver com pessoas que conseguem discutir e comparar posições contrárias. Que são amigos apesar das diferenças ideológicas e políticas.
Maneira de conduzir
Nada de diferenças brutais. Primeiro, dirigimos no mesmo lado. Ainda bem. Imagino que a adaptação ao lado inglês seja estressante. Segundo, se jogar de carro na praça do Arco do Triunfo, para nós brasileiros, é fácil. Pelo menos para aqueles que nasceram antes das rotatórias. Terceiro, como em qualquer país civilizado, tanto no Brasil como em Paris, interjeições mais ou menos mal educadas ajudam a evacuar a impaciência nos engarrafamentos. Como nós, os franceses uma vez no volante são adeptos dos palavrões. A única diferença, por sinal brutal, é a qualidade das estradas e autoestradas e o super respeito aos pedestres e ciclistas.
O tempo e a organização das refeições
O aperitivo, a entrada, o prato, os queijos e a salada, a sobremesa, o cafezinho e o digestivo: uma sequência que pode durar mais de quatro horas. Socorro. Nós brasileiros não fomos formatados para suportar mais de 4 horas assentados no mesmo lugar. Um suplício. Para piorar, com as mesmas pessoas à direita e à esquerda. A famosa refeição gastronômica francesa inscrita na lista do Patrimônio Imaterial da Unesco, pode se transformar rápido em tortura. Adoro os bufês brasileiros, a liberdade de trocar de lugar, de interlocutor. De levantar, andar, assentar de novo. Parar de comer, comer de novo. De decidir o meu tempo, em função da minha fome, dos meus interesses.
Maturidade alimentar
Foi aqui que adquiri a maturidade alimentar. Foi aqui que descobri que existe uma maturidade alimentar, uma evolução na relação com os sabores. Se na fase adulta continuamos no estreito limite dos sabores infantis deixamos de lado uma infinidade de produtos, de texturas e de associações. A França expandiu os limites do meu gosto e me empurrou por caminhos desconhecidos. Descobri novos sabores e os prefiro hoje aos sabores de um tempo passado. Às vezes testo, provo algo que adorava. Não, definitivamente mudei.
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18 Comentários
Dillemba
Muito pertinente este artigo, especialmente no tocante a amizades, que parecem estar acabando neste período eleitoral.
Primeiramente, quero esclarecer que não sou petista nem bolsonarista. Isto posto, causa-me espanto a agressividade entre os dois grupos, principalmente dos petistas. Quando se aponta os (inúmeros) erros e a hipocrisia do PT pronto, lá vem o carimbo: fascista, nazista, elite, jumento. Quem não aceita o truculento Bolsonaro é porque é burro demais para entender a filosofia do capitão, além de ter uma certa inclinação para a pedofilia. E assim amizades vão se desfazendo
Sonia Regina Pompermaier
Que reflexão maravilhosa…morei em duas ocasiões na França: com 26 anos fiquei quatro anos e meio. E com 50 voltei mais um ano!! Ah! as diferenças!!! e como é bom conviver com o respeito, com a maturidade!! definitivamente 4 horas é muito para mim! E mais ainda: nao gosto mesmo de ruibarbo…
Edward
Quando se entra em um restaurante e o garçon pergunta: “c’est pour manger?” é para saber se vamos fazer uma refeição completa ou só tomar uma bebida e/ou comer uma coisinha. Se é para almoçar ou jantar, em muitos restaurantes o garçon nos leva para uma sala onde as mesas já estão postas. Se é só para tomar uma cerveja, você será encaminhado para uma outra sala, ou para uma parte do restaurante mais “descontraída”
Riany
Que legal!!!! Amei muito! Parabéns!!!!!! Muito interessante, queria morar na França, deve ser um sonho! Quem sabe um dia (:
Luciana
Sobre o “Bonjour”: outro dia estava passeando com meu cachorro quando um americano, do outro lado da rua gritou: “Is this a schnauzer?” (É um schnauzer?) Até eu, que às vezes esqueço de dizer “Bonjour”, me assustei! Conversamos um pouco e expliquei que o “Bonjour” é muito importante para eles, sem isso o mau atendimento é garantido e ele respondeu: “oh, that’s what I’m getting!!!!” (É o que estou tendo!)
Outra coisa diferente é parar na porta de restaurante e esperar para ser colocado em alguma mesa. Agora, já acostumada à isso, é engraçado quando vou ao Brasil; uma vez entrei no restaurante conversando com minha sobrinha e parei. Ela parou dois passos à frente estranhando “ô tia Lu!” Kkkkk
Na primeira vez que estive em Paris, logo na entrada o garçom perguntou: “Pour manger? ” (para comer?) Estranhei e tive vontade de responder algo tipo: “não, para comprar sapato! Lógico que é para comer! Para o que mais eu entraria num restaurante??!” Sorte que não tinha francês suficiente para isso! Mas logo “entendi” a pergunta… acabamos todos escolhendo croque monsieur em vez de pratos e o garçom, ríspido, disse: “Eu perguntei se era para comer e vocês disseram que sim!! Venham!” e nos levou para outra sala do restaurante!